quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A Literatura como Origem de Questionamento Filosófico

Aos
• 174 anos do Ensaio sobre a História da Literatura do Brasil, de Gonçalves de Magalhães;
• 132 anos de “A Poesia de Hoje”, de Sílvio Romero;
• 130 anos do início da publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis;
• 108 anos da 1ª edição de Os sertões, de Euclides da Cunha;
• 98 anos da 1ª edição do Eu, de Augusto dos Anjos;
• 88 anos da Semana de Arte Moderna;
• 47 anos da 1ª edição de Desenvolvimento e cultura: o problema do estetismo no Brasil, de Mário Vieira de Mello;
• e aos 282 anos da 1ª edição do Compêndio Narrativo do peregrino da América, de Nuno Marques Pereira.


O Centro de Filosofia Brasileira-CEFIB do Programa de Pós-graduação em Filosofia-PPGF da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizou, nos dias 23-24/08/2010, com patrocínio de: PPGF, Convênio Banco do Brasil-UFRJ, LIF - Unidade I&D (FLUC), Centro de História da Cultura (FCSH-UNL) e Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V, o quarto encontro anual do Seminário Internacional Farias Brito em torno ao tema "Filosofia e Cultura: A Literatura como Origem de Questionamento Filosófico na Segunda Metade do Século XIX". A Conferência Farias Brito coube ao Professor Doutor Antônio Paim, homenageado do encontro por sua obra notável.


. Sessão de abertura no Real Gabinete Português de Leitura
. Demais sessões no: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais-IFCS
. Sala Celso Lemos (3º Andar) - Telef.: 21 2224-6379
. Largo de São Francisco de Paula, 1 - Rio de Janeiro
. Inscrições: marciojosefc@terra.com.br

Programa
23/08/2010 (segunda-feira)
10:00 Abertura/Homenagem ao Professor Antônio Paim
10:30 Conferência Farias Brito
Antônio Paim
“Preservação do Patrimônio Bibliográfico da Filosofia Brasileira”
12:00 Intervalo
14:00 Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)
“A Crise Estética no Brasil Oitocentista como Expressão de Uma Experiência Crítica”
15:00 Mesa-Redonda: “Antero de Quental, Sampaio Bruno e Antipositivismo em Portugal”
José Esteves Pereira (Universidade Nova de Lisboa)
Manuel Rosa Gonçalves Gama (Universidade do Minho)
Debatedor: Gustavo Bernardo Krause (UERJ)

24/08/2010 (terça-feira)
10:00 Mesa-Redonda: “A Literatura Brasileira e as Ideias Psicológicas na Segunda Metade do Século XIX”
João Batista Madeira (UFMS)
Leonardo Ferreira Almada (UFG)
Ana Maria Jacó-Vilela (UERJ)
Debatedor: Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)
13:00 Intervalo
15:00 António de Castro Caeiro (Universidade Nova de Lisboa)
“A Sensação como Operador Hermenêutico no ‘Livro do Desassossego’ de Bernardo Soares”
16:00 Gustavo Bernardo Krause (UERJ)
“Quando o Alienista é o Único Alienado”

Comissão Organizadora
Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)
António Manuel Martins (Universidade de Coimbra)
Leonardo Ferreira Almada (UFG)


Centro de Filosofia Brasileira
Largo de São Francisco de Paula, 01 – Sala 325C
20051-070 Rio de Janeiro-RJ
Telefone: 21 22210034 Ramal 325
Fax: 21 22211470

A "crise estética" no Brasil oitocentista como expressão de experência crítica

Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)

A propósito do tema deste seminário, queremos mostrar que os primeiros questionamentos filosóficos no Brasil, ocorridos no século XIX, têm a sua origem na reforma literária empreendida por Domingos José Gonçalves de Magalhães. Nossa teoria é a de que, no intuito de promover a emancipação da literatura brasileira, ele também promoveu a modernização da ideia de filosofia no Brasil, ao assimilar da filosofia francesa a moderna concepção do espírito humano como liberdade introduzida pela doutrina cartesiana.

I

Na história da filosofia no Brasil, a ideia de modernização ficou associada à exclusão do aristotelismo pela reforma pombalina da instrução pública. Do ponto de vista histórico, não há dúvida de que sem a radical exclusão dos jesuítas e da sua pedagogia instituída desde o século XVI — a Ratio Studiorum —, não teria sido possível a modernização do ensino efetuada dois séculos depois pelo Marquês de Pombal. Filosoficamente, entretanto, ainda que o conceito de modernização envolva uma mudança também radical na maneira de pensar, na medida em que o uso teórico da razão deixa de ser tutelado e se emancipa em face de toda a autoridade que não seja a da própria razão, cumpre ressaltar que no âmbito psicológico dessa mudança não há nem pode haver exclusão do passado. O que queremos dizer com isto?
As duas principais concepções cartesianas que fundam a filosofia moderna — a saber: a dúvida metódica e a suspensão do saber habitual — são procedimentos metodológicos que pressupõem a consciência de si como liberdade. Disso temos prova nos Princípios da filosofia. Mas o conceito da liberdade na doutrina cartesiana tem antecedentes. Desde Agostinho até aos filósofos do Renascimento, a expressão liberum arbitrium (“livre-arbítrio” ou “livre escolha”) foi consagrada para significar a disposição do espírito humano em face dos próprios interesses, considerando-se livre aquele agente que, postos todos os requisitos para agir, pode agir e não agir, ou agir de maneira que possa agir também ao contrário. Ora, nessa contingência do poder agir de um modo ou do modo contrário, o espírito humano conhece a si mesmo como sendo indiferente a qualquer sentimento que o ligue a algo externo, diferente de si, por força de apetência, desejo ou vontade. No contexto do Humanismo, preocupado em garantir a possibilidade do mérito humano nas ações virtuosas e morais, mas em oposição à concepção da liberdade como propriedade da vontade, o filósofo jesuíta Pedro da Fonseca (1528-1599) procurou mostrar que a raiz de tal poder de indiferença e desinteresse é o próprio uso da razão(1) . Entretanto, no caminho inverso às preocupações de Fonseca, e contrariamente à concepção do espírito humano como um poder ilimitado, desenvolveu-se no âmbito da vida civil, primeiro com Maquiavel (1469-1527), e depois com Thomas Hobbes (1588-1679), o conhecimento de si como povo e cidadão protegido pelas leis do Estado, tendo como pressuposto um eterno conflito de interesses entre os indivíduos. E foi pela consideração de que essas duas perspectivas do conhecimento de si se completam que, em nosso entendimento, a indiferença foi considerada na doutrina cartesiana o primeiro grau da liberdade humana, e, por isso mesmo, o seu grau mais baixo (Princípios da Filosofia, §41; Meditações, Meditação Quarta, §9). Rousseau (1712-1778) foi o intérprete desta concepção gradual da liberdade humana sob a forma do contrato social:

"O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar; o que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui [...] poder-se-ia acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, porquanto o impulso do mero apetite é escravidão, e a obediência à lei que se prescreveu a si mesmo é liberdade." (ROUSSEAU, O contrato social I, VIII)

"Para que o pacto social [...] não seja uma fórmula vã, ele encerra tacitamente esse compromisso de que [...] quem quer que se recuse a obedecer à vontade geral será obrigado a isso por todo o corpo; o que significa que será forçado a ser livre [ce qui ne signifie autre chose sinon qu’on le forcera d’être libre]; pois essa é a condição que, dando cada cidadão à pátria, o garante contra toda dependência pessoal; condição que produz o engenho e o funcionamento da máquina política e que é a única capaz de tornar legítimos os compromissos civis, os quais, sem ela, seriam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos." (Idem, VII)

Ora, do ponto de vista dessa concepção rousseauniana da liberdade, a indiferença é o passado no modo do ser moderno. E seria absolutamente inverossímil tal concepção do espírito humano sendo livre por obrigação, se não fosse o mal da indiferença a sua própria condição natural(2) .

II

A moderna consciência de si como liberdade, definida por Descartes como o direito de alguém impedir a si mesmo (abstinere) de consentir e agir sem o próprio uso da razão (Princípios da Filosofia, §39), aparece pela primeira vez entre nós nos textos do poeta Domingos José Gonçalves de Magalhães: no livro de poesias Suspiros poéticos e saudades (Advertência “Lede”; Paris, 1836), no Ensaio sobre a história da literatura do Brasil (In: Niterói, Revista Brasiliense, T. I, nº 1. Paris, 1836) e no livro filosófico Fatos do espírito humano (Paris, 1858). Nos dois primeiros, ele discorre sobre a necessidade de reforma da literatura nacional, ajustando o seu foco sobre a doutrina aristotélica de estilos, então decadente, pela qual se estabelecera uma arte mimética e retórica de caráter supra-individual, anônimo e coletivo:

"Até aqui [...] imitar era o meio indicado; fingida era a inspiração, e artificial o entusiasmo. Desprezavam os poetas a consideração se a Mitologia podia, ou não, influir sobre nós; contanto que dissessem que as Musas do Hélicon os inspiravam, que Febo guiava seu carro puxado pela quadriga, que a Aurora abria as portas do Oriente com seus dedos de rosas, e outras tais e quejandas imagens tão usadas." (Suspiros poéticos e saudades, “Lede”)

"Se até hoje a nossa poesia não oferece um caráter inteiramente novo e particular, é porque os nossos poetas, dominados pelos preceitos, se limitaram a imitar os antigos [...] Convém, é certo, estudar os antigos [...] mas não se escravizar pela cega imitação [...] Só pode um poeta chamar-se grande se é original." (Ensaio, IV)

Mas qual o sentido dessa originalidade? Em sua proposta de reforma, “indicando apenas no Brasil uma nova estrada aos futuros engenhos” (Suspiros poéticos e saudades, “Lede”), ele manifesta a sua intenção de “elevar a Poesia à sublime fonte donde ela emana”, ou seja, a religiosidade cristã, “aquela que civilizou o mundo moderno, aquela que ilumina a Europa, e a América” (idem, ibidem).(3) Em outras palavras, sua ideia de originalidade pressupõe a ideia do Deus-Pai-Criador como origem, tanto da liberdade do espírito humano em seu estado de independência primitiva, segundo um poder ilimitado da razão, como também, e principalmente, da liberdade criadora do mundo civilizado(4) . Este é o caráter metafísico e religioso do seu romantismo, cuja concepção da liberdade humana não se confunde com a do passado no Brasil Colônia, mas ao mesmo tempo dela não se separa. Por isso ele afirma que é necessário reconhecer que já existe “uma estrada aberta pelos nossos ilustres maiores, que podemos considerar em caracol em uma montanha” (Ensaio, IV), o que não só pressupõe uma tarefa gradual e infinita como garantia do direito de cada um de participar livremente na idéia da criação divina, como também exige a humildade e o cuidado para ninguém cair da ilusão de ter dado o retoque final, pois “quem nos preceder, desejando prosseguir, nos arredará; cairemos” (idem, ibidem):

"Caldas(5) , o primeiro dos nossos líricos, tão cheio de saber, e que pudera ter sido o reformador da nossa Poesia [...] nem sempre se apoderou desta ideia [...] e quando ele é original causa mesmo dó que cantasse o homem selvagem de preferência ao civilizado, como se aquele a este superasse, como se a civilização não fosse obra de Deus, à que era o homem chamado pela força da inteligência, com que a Providência dos demais seres o distinguira!" (Suspiros poéticos e saudades, “Lede”)

Com base na moderna concepção gradual da liberdade, Gonçalves de Magalhães afirma que a poesia brasileira subordinada aos preceitos da doutrina aristotélica dos estilos não chega a ser nem “uma indígena civilizada; é uma grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil” (Ensaio, III). (6) Mas ele não ficou só na condenação do modelo. Ele também reconheceu a dificuldade do espírito humano de ultrapassar os limites da cultura dentro da qual se formou:

"Não é por falta de inteligência que deixamos às vezes de reconhecer a verdade [...] Custa-nos muito no meio, ou no fim da vida, renovar as nossas ideias, como o mudar de linguagem, e reformar os nossos costumes. Assim, não há verdade em ciência alguma, não há fato novo, achado pelo trabalho assíduo de alguns espíritos, que não fosse, e não seja combatido por mil juízos antecipados. Outras vezes, não podendo conciliar fatos que nos parecem contrários ao que sabemos, negamos hoje o que afirmamos ontem, damos agora como causa o que antes reconhecemos ser efeito" (Fatos do espírito humano, cap. XV).

Portanto, Gonçalves de Magalhães soube distinguir com clareza que a liberdade humana, que em seu sentido moderno deve ser entendida como causa da vida civilizada, já fora entendida no passado como efeito do conhecimento de si pela conversão, ou melhor, como efeito de separar-se a alma do corpo, a exemplo dos ensinamentos do Padre Antônio Vieira:

"ainda que o homem verdadeiramente é composto de corpo e alma, quem se conhece pela parte do corpo ignora-se, e só quem se conhece pela parte da alma se conhece [...] separemos [...] ao senhor do escravo [...] vivamos como almas separadas [...] porque, livre a alma dos embaraços e dependências do corpo, obra com outras espécies, com outra luz, com outra liberdade." (VIEIRA, As cinco pedras da funda de Davi)

Em sintonia com a filosofia moderna, Gonçalves de Magalhães denunciou o caráter perverso da contemplação, quando o poder ilimitado da razão se torna alienante, e não só impede o conhecimento de si como povo e cidadão, como também esvazia de todo o mérito a ação moral:

"O corpo não nos foi dado como uma condição de saber e de querer, mas como uma sujeição que coarctasse esse poder livre, de que abusaríamos, chamando-nos à vida prática [...] Podia Deus sem dúvida criar uma sociedade de espíritos puros [...] só contemplando as maravilhas do seu criador [...] Mas qual seria o mérito desses espíritos para tanta ventura?" (Idem, ibidem)

III

Mas depois que Tobias Barreto reprovou o “espiritualismo excessivo” de Fatos do espírito humano, e Sílvio Romero atacou o romantismo “oficial” de Magalhães em seus Cantos do fim do século (1878) , a crise estética brasileira tornou-se evidente como expressão de nossa experiência crítica, porque então já não se tratava de mero nacionalismo separatista, senão de uma fundamentação de valores :

"[...] depois que a ciência do dia imparcial e segura penetrou, um pouco mais amplamente, no problema das origens [...] A poesia é um resultado da organização humana, nada tem de absoluto, nem de sobrenatural [...] No meio das mutações por que hão passado todos os ramos do pensamento humano, qual será o estado a que deve ter chegado a poesia? Qual o seu caráter de hoje? Esta pergunta não é nova, nem tem sido uma só a resposta a ela dada. Não creio que seja necessário, posto que escreva no Brasil, o apontar as quatro ou cinco idéias fundamentais, que, firmadas nas ciências positivas, transformaram a intuição crítica de nosso tempo." (Cantos do fim do século, Prólogo)

A polêmica literária entrou para a história como a tentativa de introduzir um nova orientação que rompesse com a primeira fase do romantismo, segundo a observação atenta de Machado de Assis:

"O Sr. Sílvio Romero conclui no prólogo dos Cantos do fim do século que a nova intuição literária [...] será um resultado do espírito geral da crítica contemporânea. Esta definição, que tem a desvantagem de não ser uma definição estética, traz em si mesma uma idéia compreensível, assaz vasta, e adaptável a um tempo em que o espírito recua os seus horizontes. Mas não basta à poesia ser o resultado geral da crítica do tempo [...] Dizer que a poesia há de corresponder ao tempo em que se desenvolve é somente afirmar uma verdade comum a todos os fenômenos artísticos. Ao demais, há um perigo na definição deste autor, o de cair na poesia científica e, por dedução, na poesia didática" (Cf. Machado de Assis, Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962).

De fato, a aspiração romeriana de compromisso com a “realidade verdadeira” suscitou, como temera Machado de Assis, a famigerada poesia didática, que resultou na "poesia científica" das Visões de hoje (1881), de José Isidoro Martins Júnior, como um eco tardio da Visão dos tempos (1864) de Teófilo Braga, em Portugal.
Coube a Raimundo de Farias Brito aprofundar o estudo do problema no âmbito filosófico, denunciando o perigo de uma exacerbada exigência de verdade na preocupação do artista. Para ele, devem distinguir-se as artes úteis, que derivam das necessidades materiais da vida, das artes estéticas, que derivam das necessidades mesmas do espírito. Nestas, a visão de uma coisa reveste-se de aspectos acidentais (como a rima no poema) que suscitam as sensações e emoções, sem qualquer prejuízo dos aspectos essenciais que caracterizam a visão científica da mesma coisa. Porém naquelas a visão essencial de uma coisa resulta de um processo abstrativo de dessingularização, gerando uma percepção apenas conceitual, fria e, neste sentido, uma visão pobre da realidade das coisas. Contrariamente aos desígnios da ciência, a produção estética visa um comprometimento do homem com a vida através das sensações e das emoções, e não apenas da razão. Assim se justifica a indignação de Farias Brito contra a identificação do objeto da ciência com o objeto estético:

"Vê-se assim que a arte é, por essência, a energia criadora do ideal, o que só por si é bastante para tornar manifesto o absurdo de certos sistemas estéticos, tão apregoados [...] com diversos nomes, como realismo, naturalismo, etc., todos com idéias de descrever a realidade nua e crua. É uma espécie de reprodução, à maneira de caricatura, da obra mesma da ciência. Pois não há uma escola de poesia chamada científica, como uma espécie de romance — o romance experimental?" (BRITO, Raimundo de Farias. O mundo interior, §4)

Conclusão

Nesse abismo em que se constitui a cisão entre ideais “conservadores” e “progressistas”, instaura-se a crise da consciência brasileira em face da filosofia moderna, cuja expressão estética mais radical é a poesia de Augusto dos Anjos. Além de reagir contra o cientificismo, denunciando o horror da “mecânica nefasta” que passou a reinar desde o clímax da Revolução Científica alcançado pela física de Newton, a poesia de Augusto dos Anjos tem uma significação filosófica porque nela a consciência do mal existe lado a lado com a consciência de si. No Eu de Augusto dos Anjos, o homem moderno é despojado de tudo o que constitui um homem — a sua memória, seus sentimentos, suas crenças, sua missão, sua esperança, a simpatia, o amor, a beleza, a coragem, a lealdade — exceto de sua humanidade abstrata, a qual, como a visão de si mesmo pela lente da ciência, nunca serve plenamente a um homem:

[...]
Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
Trazendo no deserto das idéias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!

Quis compreender, quebrando estéreis normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!

[...]
Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.
(Monólogo de uma Sombra)

Notas
1. "Ergo ii hac de re sentiunt, ac loquuntur, qui dicunt solam uoluntatem esse formaliter liberam, intellectum autem esse libertatis radicem, seu (ut loquuntur) esse radicaliter liberum [...] Namque in ea potentia est libertas formaliter, in qua formaliter sive complete est potestas ad agendum, et non agendum indifferens [...] Ea uero potentia est libertatis radix et origo que lucem et quasi facem uoluntati praefert" (FONSECA, Pedro da. Commentariorum in libros metaphysicorum Aristotelis, v. III, lib. IX, c. 2, q. 2, pp. 565-566).
2. Segundo Descartes, a liberdade humana de arbítrio “consiste somente em que podemos fazer uma coisa ou deixar de fazer [...] de tal maneira que não sentimos absolutamente que alguma força exterior nos obrigue a tanto [e por isso mesmo] sendo a vontade por si indiferente, ela se perde muito facilmente e escolhe o mal pelo bem ou o falso pelo verdadeiro. O que faz com que eu me engane e peque” (DESCARTES, Meditações IV, 9-10).
3. Esta foi a orientação que recebeu, antes dos estudos em Paris, de Frei Francisco do Monte Alverne (1784-1858). Ilustre orador sacro, professor de retórica e de filosofia no Seminário de São José, suas ideias básicas remetem aos escritores franceses, principalmente Chateaubriand, autor do ensaio Génie du Christianisme (1802), duas vezes citado em seu testemunho sobre a cultura brasileira no tempo da corte portuguesa no Rio de Janeiro, no qual revela que a “instrução nessa época era muito circunscrita. A Metrópole não queria homens sábios em suas colônias: era à custa de esforços inauditos que os brasileiros podiam distinguir-se. Restava um meio fácil de promover o nosso adiantamento, o estudo da língua francesa” (MONTE ALVERNE, Obras oratórias, Preliminar, p. IX).
4. Segundo a doutrina tomista, pela qual a essência da fé se define como amicitia – uma relação de amizade mútua e livre entre o Criador e a criatura racional (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Summa contra gentiles III, 112-118).
5. Antonio Pereira de Souza Caldas (Rio de Janeiro, 1762-1814) produziu extensa obra literária, sendo famosa a sua “Ode ao Homem Selvagem” (1784), elaborada sob a influência da idéia do homem natural de Rousseau. Ainda estudante de direito em Coimbra, Souza Caldas publicou poemas profanos, sendo detido e condenado pelo Santo Ofício como herege, naturalista, deísta e blasfemo, e submetido a exame de consciência e reeducação no convento oratoriano de Rilhafoles. Mais tarde, recebido pelo papa Pio VI, em Roma, aí se ordenou sacerdote. Em sua volta definitiva para o Rio de Janeiro (1808), notabilizou-se na corte como orador sacro e, segundo consta, ainda teria publicado duas cartas em defesa da liberdade de opinião.
6. O teor nacionalista do Ensaio confundiu os teóricos da literatura brasileira, levando-os a atribuir um caráter evolucionista à alegoria da montanha de Gonçalves de Magalhães: “Magalhães constrói uma alegoria evolucionista da cultura brasileira [...] na forma de uma montanha circundada por um caminho ascendente. Afirma que ele mesmo e os intelectuais do seu grupo ainda se acham na base, e que, subindo, fazem subir, com a missão civilizatória que, ao definir a literatura brasileira como ‘indígena civilizada’ integra o local à religião cristã e à civilização européia” (HANSEN, João Adolfo. “Fênix Renascida & Postilhão de Apolo: uma Introdução”. In: Pécora, Alcir (org.). Poesia seiscentista. São Paulo: Hedra, 2002).
7. Antes de Sílvio Romero, houve os ataques de José de Alencar, sob o pseudônimo de “Ig”, ao poema épico de Gonçalves de Magalhães A Confederação dos Tamoios (1856).
8. Para Antônio Cândido, por exemplo, a verdadeira crítica literária aparece no Brasil quando prevalece o “ponto de vista moderno [...] pois o que realmente interessa é investigar como se formou aqui uma literatura, concebida menos como apoteose de cambucás e morubixabas, de sertanejos e cachoeiras, do que como manifestação dos grandes problemas do homem do Ocidente nas novas condições de existência” (CANDIDO, Literatura e sociedade. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, p. 90).

Interpretações de Antero de Quental

José Esteves Pereira (Universidade Nova de Lisboa)

I
Antero de Quental representa para o pensamento português de Oitocentos um dos casos raros de meditação própria em que se nos torna muito difícil destrinçar entre o meditação do filósofo que, aparentemente, se recusa a ser e o seu doloroso exercício de questionamento vital. Por isso mesmo, tem sido bastante diversificado o modo como os seus intérpretes dele se tem acercado e a avaliação que dele fazem.
Antero é um muito mais um pensador de vivências do que autor de uma definitiva elaboração metafísica e as Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX ou A Filosofia da Natureza dos Naturalistas não obstante a função especulativa que lhes cabe não nos evidenciam, por inteiro, a atribulada busca pessoal que desde cedo se plasmou, de modo genial, na poesia.
Como Eduardo Lourenço teve oportunidade de afirmar,

"onde Antero foi verdadeiramente filósofo, se por isso se entende uma experiência radical de uma única vivência, a da ausência de sentido para existência desvinculada misteriosamente da confiança vital que lhe é inerente, foi na expressão pensante que, em ritmo e visões fantásticas ou dolorosas, continua viva e actuante nos Sonetos e nos grandes poemas agónicos que um gesto de Oliveira Martins subtraiu ao esquecimento”.(1)


Em cada afirmação de problema e de filosofema o fieri incessante do destino indagador da busca da tendência encontrará sempre o filósofo inédito que se detém no momento poético dos Sonetos como horizonte de sentido.(2)
Joel Serrão, relevando um pensamento maiêutico, socrático, que teria encontrado o interlocutor adequado em Oliveira Martins(3), leva-nos a dar atenção a esse jogo irónico de discurso e experiência, muito marcado por um assumido distanciamento de preocupações sistemáticas, aliás confessionalmente exposto, quando Antero anuncia a redacção das Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, a serem publicadas na Revista de Portugal:

"Ficou reservada muita coisa que naturalmente não cabe em artigos de Revista. Escuso dizer-lhe que não é a minha filosofia aquela que V. sabe que eu tenho, com o seu método próprio e teorias particulares. Essa infelizmente, desisto de a expor, porque está acima das minhas forças o fazê-lo---e depois, ninguém me entenderia. Mas, em suma, são as minhas ideias, somente expostas por um método impessoal, pondo de parte as minhas vistas originais e processo próprio dialéctico e apresentadas simplesmente como induzidas da evolução do pensamento moderno e mais especialmente das tendências filosóficas dos últimos 80 anos. De sorte que, amigo, ainda depois de publicar um livro de filosofia, ficarei sempre um filósofo inédito.”(4)

Em suma, para corroborar a sobrevalorizada “poética expressão pensante” a que se refere Eduardo Lourenço independentemente do que Antero quisesse, sinceramente, transmitir no seu ensaio derradeiro ( publicado em vida ) sempre é importante atender à seguinte confissão de Antero:

“Os últimos 21 sonetos do meu livrinho dão um reflexo deste fase final do meu espírito e representam simbólica e sentimentalmente as minhas actuais ideias sobre o mundo e a vida humana. É bem pouco para tão vasto assunto, mas não estava na minha mão fazer mais, em melhor (...) Ele forma uma espécie de autobiografia de um pensamento e como que as memórias de uma consciência.”(5)

Tem-se considerado as Tendências como texto anteriano culminante, marcado pela serenidade especulativa que toca as raias de um santidade encontrada, depois do atribulado trânsito pessimista do poeta açoriano. Antero de Quental, naquela época resgatadora, ao fazer balanço do pensamento ocidental, reavaliaria o seu hegelianismo (que foi, também, o da sua geração) na tentativa de superar a via dedutiva de explicação do mundo físico a partir da Substância, de matriz espinosista para, agora, ao invés, no desejo de explicar toda a realidade”( explicação final do Ser), “partir dos dados elementares da sensibilidade, sobre que se baseiam, em última análise as ciências naturais, isto é, dos Átomos, no sentido de indutivamente chegar ao que não é Átomo, mas que o Átomo pressupõe: a Substância”.(6)
Permito-me incluir, aqui, um parêntesis sobre o assumido hegelianismo que António Braz Teixeira tem discutido quanto a ser ele elemento matricial da formação filosófica anteriana e do próprio contacto com a filosofia alemã. É que, se é certo que Antero não o declara explicitamente, não teria sido despiciendo o magistério de Joaquim Maria Rodrigues de Brito quando, nas aulas de Filosofia do Direito, de Coimbra, em 1858-59 prolongava um ensino de matriz krausista, ponto de chegada do idealismo alemão via Schelling. Para Braz Teixeira verificam-se nítidas afinidades entre o que pensava o mestre coimbrão e o primeiro texto de índole verdadeiramente filosófica do jovem escolar micaelense intitulado O sentimento da imortalidade, de 1865.(7)
Voltando às Tendências, Antero viria a recorrer a uma mediação monadológica leibniziana, “convenientemente reformada”(8), para incorporar a ideia de Força(9):

“(...) segundo o nosso espiritualismo, o espírito define-se como uma força autónoma, que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos seus próprios factos e só à suas próprias leis obedece, que a essas leis submete os factos objectivos e só assim lhes dá significação e realidade, que a si mesma determina o seu próprio fim, que existe em si e em si encontra a sua plenitude. Sendo a força autónoma, consciente e plena é a força por excelência, a força tipo. O espiritualismo resolve-se pois num dinamismo psíquico, assim como o materialismo da filosofia científica da natureza se resolvera num dinamismo mecânico.”(10)

Mas, a par da preocupação da explicação final do Ser, convocando o extenso e meditado exercício de leitura, jamais se poderá esquecer a essência última do Ser, expressão que utiliza em carta ao seu bom confidente e interlocutor Oliveira Martins, em carta datada de Ponta Delgada de 10 de Maio de 1887, tendo bem presente no seu espírito o conceito de Inconsciente de Eduard von Hartmann. Respondendo à crise pessimista de Oliveira Martins, embora assuma que a essência ultima do Ser é dificílima de definir não deixa de ser perceptível ao sentimento moral: “O Ser faz-nos para a beatitude”. Assim à superação do substancialismo importa atender, igualmente, em Antero, á superação pessimista. Em carta de 14 de Novembro de 1886, preocupado com a possível deriva pessimista de Jaime de Magalhães Lima encontra ocasião para aludir à ilusão do naturalismo:

“O pessimismo é a redução ao absurdo do naturalismo e das mil ilusões filhas dele, ou para melhor dizer( porque não se trata de sistemas simplesmente) filhas do espírito humano na sua fase naturalista. Mas sobre essas ruínas acumuladas pelo pessimismo, o que triunfa não é a negação, o que resta não é o vácuo. O que triunfa e o que fica é aquilo que está para além do naturalismo, aquilo que no homem não é já filho da natureza, ma superior a ela e autónomo: a vida da consciência e a sua mais alta expressão: o sentimento moral”, enquanto facto, “ um facto evidente e, para o homem, o mais positivo dos factos, porque o sente em si e o verifica a cada instante e não se dissolveu , porque é um elemento simples, o núcleo da coisa complicadíssima chamada homem, o seu ser íntimo e verdadeiro.”(11)

A busca de uma síntese a que Gustavo de Fraga viria a chamar, apropriadamente, síntese impossível da demanda imanente anteriana(12) não integra, apenas, a vida da consciência e do sentimento moral mas, também, o religioso e o problemático enfrentamento com o Absoluto. Sob a inspiração de Hartmann, Antero exortava poeticamente: ”Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade/Que eu mesmo, desde toda eternidade, também me busco a mim.... sem me encontrar”.(13)
Tendo presente a problemática superação o Antero de 1890, que se crê definitivamente inédito, a filosofia assume-se no plano do simbólico, expressão da relatividade limitada sim, mas não errada. Pois que Filosofia é "equação do pensamento e da realidade, numa dada fase do desenvolvimento daquele e num dado período do conhecimento desta; o equilíbrio momentâneo entre a reflexão e a experiência; a adaptação possível em cada momento histórico (da história da ciência e do pensamento) dos factos conhecidos às ideias directoras da razão, e a definição correlativa dessas ideias. Não por esses factos, mas em vista deles"(14) e, em definitivo, actuante num teatro de liberdade que se exprime pela experiência histórica como condição da desejável quanto irrealizável síntese. É no horizonte optimista de uma criatividade livre, e empenhada, que encontramos uma justificação e que se pressente, na consciente exterioridade da tendência, quase que do possível ponto de vista e, também, da quase certeza de que a filosofia moderna, como ele próprio, Antero, não tenha "mentido à sua missão"(15).
Chegávamos, assim, à compreensão serena da história do pensamento ocidental, contemporâneo de Antero. Augura-se um tempo do filósofo que compreende a morte como memória, como manifestação física de uma necessidade metafísica, não reportada a qualquer ontologia de progresso, mas sim a uma ascensão progressiva. A ideia de Morte torna-se a base da vida moral, pela consciência derradeira da finitude do eu pessoal que "sendo nada, não é para esse que deve viver, mas para algo de eterno"(16).
É na vivência plena do tempo do fim (consciência moral no horizonte da finitude) que se deve saber compreender a morte, que é a única maneira de sabermos compreender a vida e de a sabermos viver. Saber viver virtuoso, em que a consciência do justo é o único templo do único deus; e nesse templo a renúncia do egoísmo é o único culto(17). Liberdade para a santidade. No trânsito de Antero para Santo Antero augurando-se um "alto ideal comum"(18). Este ponto de chegada que entendi referir como introdução a um percursos interpretativo de Antero exige, em todo o caso, que nos reportemos a uma sinalização do itinerário de vivência e meditação com mais amplitude.

II
Entre as mais fundadas e documentadas análises interpretativas de Antero de Quental figura a de Joaquim de Carvalho que nos continua a parecer um instrumento incontornável, do ponto de vista metodológico, de teor genético e histórico evolutivo.
Joaquim de Carvalho, em Evolução Espiritual de Antero começa por nos dar conta do jovem que, nos seus 18 anos, demanda Coimbra para estudar Direito, onde viveria a tradicional vida académica e praxística. O sentimento do Divino e o da Liberdade (não sendo estranho neste caso a inspiração heróica de Garibaldi) acaba por se plasmar nas primeiras tentativas poéticas que acompanham reflexões em prosa, igualmente denunciadoras de algum entusiasmo romântico. É o caso das recensões, de 1860, aos Estudos sobre a Reforma em Portugal (1851) de Felix Henriques Nogueira, e d' A Felicidade pela Agricultura, de António Feliciano de Castilho(1849) ou a Saudação ao Príncipe Humberto (1862).
Surgirá, entretanto, a crise religiosa bem expressa nos Raios da Extinta Luz, no soneto Sarcasmos:

“Está deserta a estrada do Infinito, / É apenas o céu do nada espelho,/ a eternidade é fóssil. Deus é velho, / E o homem olha o céu de fito em fito//A cruz de Cristo está feita um palito/embrulham-se cominhos no Evangelho,/ Cada qual dá a Deus o seu conselho./ Nem já é Verbo o verbo... é só um dito". (19)

Contemporâneo de uma acentuada crise de valores e da mediocridade política nacional, Antero responde com as Odes Modernas onde repercutem já o conhecimento de Hegel, através da Introduction à la Philosophie de Hegel (1855) e os Essais de philosophie hegélienne (1864), de Augusto Vera(1813-1885).
A Historia como desenvolução da Ideia e a Filosofia como sistema da explicação total são as concepções que, na interpretação de Joaquim de Carvalho interessam, então, o autor das Odes Modernas: “O homem, se é certo que o conduz/Por entre as cerrações do seu destino,/Não sei que mão feita d´amor e luz/Lá para as bandas dum porvir divino...(...) Vai... mas ignora sempre quem o leva” ( À História).(20)
O clima hegeliano em que se move Antero também acolhe Proudhon. Trata-se de uma forma de invocar a inevitabilidade do progresso que não poupa, de modo irónico, e fatalmente equívoco, a Igreja como se depreende da Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal dedicada a todos os Católicos sinceros e convictos. A todos os Hereges sinceros e convictos e apresentado como testemunho de boa fé).
Neste opúsculo que, ao tempo, iludiu os próprios católicos sobre as intenções da mensagem, coloca-se o dilema de um tempo de inautenticidade e do emergir de coerência prejudicada pelas atitudes dúplices dos destinatários.
Em qualquer dos casos, o enfrentamento decisivo de transcendência e imanência subentende uma tensão profunda da sua contemporaneidade:

"Sejamos ultramontanos muito embora, mas sejamos lógicos. Nações católicas! Se a Igreja entender seguir os passos de Cristo pelos caminhos do passado, pelos desertos da meia-idade, segui-a vós também, seja aonde for- ou renegue então do vosso nome cristão leva sempre ao céu esse caminho-a vossa fé vo-lo ensina- e. então, que importam os desvios, as sombras, as tristezas da viagem? certamente que o termo será sempre a visão dourada da celeste Jerusalém. Ide! Calcai o interesse, o hábito, o amor, o que tendes por justiça, o que julgais ser a razão - mas sede católicos sede coerentes. Ou, então, se dentro das entranhas comovidas, a voz da natureza, doida de pasmo e dor, vos clamar e rugir e se estorcer a ponto que não possais dar um passo mais nesse caminho -tende coragem nessa hora! renegai o fantasma antigo e virai as costas ao velho sonho quebrando heroicamente as barreiras da fé, sede ímpios muito embora, mas sede lógicos!"(...)"ficar incerto e pávido, entre Deus e o mundo, é não pertencer nem a um nem a outro, é estar fora da vida, do universo, da existência!. Conciliar o inconciliável não é para vós -não é para alguém no mundo"(21) .

Neste texto de Antero, texto do tempo em que o poeta parece afastar-se da crença de um Deus pessoal, transparece, em todo o caso, o sentido da morte da consciência e a coragem da afirmação perante os sofismas de uma época protagonizada pelo ensimesmamento da sociedade na qual lhe cabe viver, em que "o vírus íntimo, que corrói o balofo corpo da sociedade burguesa, vem à supuração"(22).
A convicção pessoal de um caminho certo de indagação, como podemos colher em carta a Francisco Machado de Faria e Maia, datada dos fins de 1865, a propósito das Odes Modernas (entretanto vindas a público, em Agosto), e que irão dar origem à polémica do Bom Senso e do Bom Gosto, anunciam o que, em Antero, será o seu distanciamento em relação à reiteração de ideologias, concomitante de um desiderato de opinião pública robustecida, na medida em que "a opinião liberal devera ser a expressão ideal da consciência mais pura e mais franca da sociedade"(23).
Mas, voltando, ainda, à Defesa. No confronto de oposições que gravitam entre a Igreja e o Século é, porventura, mais importante reter a atitude do que atender aos próprios conteúdos da argumentação. Para além do clima de actualidade do texto (sendo a conotação a Proudhon inevitável), é notório o projecto de uma sociedade em que se tornem possíveis a conciliação da justiça social com a liberdade dos indivíduos. O primado da consciência individual deveria, assim, gerar uma Humanidade com em si mesma, capaz de se entregar às tarefas da revolução das consciências, antes de se desenvolver na arena social, como, aliás, explica na primeira edição das Odes Modernas:

"Revolução é o nome que o sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século. Como do seu Deus dizia o apóstolo antigo, in eo vivimus et sumus, podemos nós com mais razão ainda afirmar do grande espírito de revolta da nossa idade--nele e por ele é que somos, por ele e nele é que vivemos. para a reconstrução do mundo humano sobre as bases eternas da Justiça, da Razão e da Verdade, com exclusão dos Reis e dos Governos tirânicos, dos Deuses e das Religiões inúteis e ilusórias--é este o mais alto desejo, a aspiração mais santa desta sociedade tumultuosa que uma força irresistível vai arrastando, ainda contra vontade, em demanda do mistério tremendo do seu futuro".(24) 

A fé na Humanidade, convicção anteriana e bandeira de uma geração a que deve acrescentar-se a sugestão ou a influência do krausismo coimbrão, através do magistério de Joaquim Maria Rodrigues de Brito a que já nos referimos surgirá, de modo mais explícito, na crítica empática à Bíblia da Humanidade de Michelet. Aliás, é indiscutível a influência de Jules Michelet (1798-1874) em Antero como, igualmente, é a de Proudhon, nomeadamente, pela ponte que estes autores estabelecem para o pensamento alemão. A adesão ao sentido de uma apreensão total do passado que percorre o projecto e o discurso do historiador francês é contemporânea da primeira edição das Odes Modernas onde vemos reiterada a "singular aliança do naturalismo hegeliano e do humanitarismo radical francês"(25). O radicalismo de Michelet e de Proudhon. Influenciou profundamente Antero nesta fase do “homem novo”. Estaríamos perante a "Revolução como uma segunda Revelação" que," pondo fim ao reino da Graça", viria a inaugurar uma nova era de história da salvação: a da Justiça(26).
O contacto com a Bíblia da Humanidade (1864) de Michelet, recolha de elementos para uma "mitologia do amor", cimenta, por seu turno, "a compreensão da vida da história, na sua paixão e na sua melancolia, permitindo que o homem tome consciência de ser um deus que se ignora"(27).
Este anunciado encontro com o Absoluto que no tempo se revela (e que denota o hegelianismo do autor) permite-nos entender, melhor, a intensidade da adesão de Antero a Michelet, que, no Prefácio à História de França, de 1869, apresentará a história enquanto consciencialização progressiva (não um unívoco progresso) superadora, quer da fatalidade deterministica ("Podem as instituições estudar-se suficientemente sem ter em conta a história das ideias, das mil circunstâncias de que surgem?"),(28) quer da radicação providencialista, anunciando, pelo contrário, o novo homem prometaico.
A concepção de Michelet é um sinal do que nele foi a busca de um sentido e compreensão da existência plasmada em história, a escrever com paixão, atento à acção das forças diversas que, num poderoso movimento, se tornariam a própria vida: "Assim, ou tudo ou nada. Para encontrar a vida histórica, seria preciso segui-la, pacientemente, em todas as suas vias, todas as suas formas, todos os seus elementos. Mas, também seria preciso, com uma paixão ainda maior, refazer e restabelecer o jogo de tudo isto, a acção recíproca destas forças diversas num poderoso movimento que se tornaria a própria vida"(29).
Ora, em Antero podemos, na leitura interessada feita a Michelet, compreender quanto lhe interessa à manifestação do espírito no tempo, a vida no teatro da história:

"Se a alma cria deuses e, respirando, espalha o infinito em volta de si é porque lá dentro alguma cousa infinita se concentra e o divino se esconde para se manifestar, dia a dia, na revelação constante chamada Vida"(30).

A transfinitude desta revelação apela para uma espontaneidade que importa tentar entender. Como passar das ideias para a vida é, justamente, a questão que Antero coloca, em texto de 1866, inspirado pelo princípio de Vico de que o" homem é o seu mesmo criador"(31). Assumida a razão como exame universal da natureza, do espírito e da história e desentronizado o sobrenatural, o mundo e as suas leis, o homem e as energias da sua natureza, bastam a explicar os fenómenos do mundo e os factos do homem"(32). Contudo, já constituirá trabalho do humano Prometeu desentranhar as multímodas manifestações do espírito, antes mesmo do discurso reflectido - O espírito menos a reflexão, como dirá(33). Perante o racionalismo necessário que exprima "a longa combinação reflectida que é a história(34) emerge, no entanto, recorrente a incontornável pergunta: O que há de voluntário na obra humana? e o que há, também, de fatal, de inconsciente?(35).
No balanço que Antero de Quental faz ao racionalismo da Ilustração (de Voltaire, de Montesquieu de Rousseau) insinua-se, na avaliação, a essencial e transfinita espontaneidade que a torna possível:

"É este o ponto verdadeiramente fraco daquela filosofia. Grande, poderosa na análise faltou-lhe completamente o melindroso sentimento do concreto, isto é, a ponte delicada por onde se passa das ideias para a vida. As suas conclusões tem alguma coisa da inflexibilidade do dogma: são absolutas. As diferenças de tempo e de raça, os períodos sucessivos da consciência humana, os movimentos ocultos do espírito, até por ele mesmo ignorados, as distâncias, em fim, que há entre as leis e os factos, todas estas coisas a incomodavam na sua rigidez ideal, e preferiu negá-las a explicá-las Mas tudo isto é a mesma atmosfera da vida, as condições do movimento humano, a alma, em fim no tempo e no espaço. Sem isto a embriogenia do espírito tinha sido impossível, porque sem sucessão não há movimento, e só gradualmente se cresce. A Humanidade teria parado desde o seu primeiro dia. Não teria havido história."(36)

Imersa no tempo e na história decorrerá a crescente afirmação do homem interior que vai acompanhado a evolução moral das sociedades, a começar pela que, muito concretamente, rodeia Antero e que encontrou no pensador o representante por excelência de uma geração. Sem dúvida que Antero nos surge na arena política com um entusiasmo denodado mas é certo, também, o que no poeta se perfila como resistência a uma transparência assumida do tempo em que vive. Perpassa nas suas atitudes, mesmo as mais interventivas, o desenvolvimento finalista que teoricamente nele se reforçou, mais tarde, com a leitura de Eduardo von Hartmann. Em carta de 1871, na época em que Antero se entrega a uma reflexão sobre um acontecimento históricos relevante, é sintomático esse teor finalista:

"A Comuna de Paris foi sublime, como um elemento, uma força natural. Eu cá por mim admiro-a e mal me atrevo a discuti-la. A crítica que se aprende na escola do senso comum, deve ser posta de parte em face destas coisas gigantescas e tenebrosas por onde a história se revela de séculos a séculos pelo seu lado mais sublime, mas também mais obscuro - a fatalidade."(37)

Antero, ao ponderar o evento, não deixará de sublinhar as potências ocultas e irresistíveis do nosso ser, por essa via se manifestando a universal espontaneidade do devir que solicita a liberdade como vivência e projecto.
Perante o juízo impiedoso do céptico ou do dogmático, a transparência problemática da historicidade surge-nos, na sua incontornável presencialidade, obrigando--nos a recorrer, menos um tribunal de razão histórico, que à abertura convivial sobre o seu sentido. Justifica-se assim que na apresentação da sua célebre conferência do Casino Lisbonense sobre as Causas da decadência dos povos peninsulares: precise de advertir:

"Não posso pois apelar para a fraternidade das ideias; conheço que as minhas palavras não devem ser bem aceites por todos. As ideias, porém, não são felizmente o único laço com que se ligam entre si os espíritos dos homens. Independente delas, senão acima delas existe para todas as consciências rectas, sinceras, leais, no meio da maior divergência de opiniões, uma fraternidade moral, fundada na mútua tolerância e no mútuo respeito, que une todos os espíritos numa mesma comunhão- o amor e a procura desinteressada da Verdade."(38)

O apelo a uma comunhão de espírito, antes de qualquer reflexão, o sentimento antes da razão, é para Antero, além do que será a nível pessoal a chave da sua mensagem, a condição necessária para o estabelecimento de um terreno de compreensão de uma sociedade como a portuguesa(e ibérica) bloqueada ou decadente, no imediato, mas não ausente do movimento europeu em que se integrava e de que importa fazer um diagnóstico e uma prospectiva possíveis(39). A esquematização das causas da decadência (de ordem moral, política ou económica) assumem-se como problemas e não como princípios. São mais pontos de partida de reflexão, do que a categorização manifesta de um processo. Exposição não é imposição. O apelo à lealdade e à tolerância no debate das ideias, para quem sempre terá estado mais ligado ao esforço de uma reforma interior do que ao combate das opiniões, a qualquer preço, não poderia deixar de estar conotado, ao mesmo tempo, não só com a libertação da tradição mas, sobretudo, com a expiação de um tempo colectivo em que aquela age. O paradigma moral de um dever ser da Humanidade que, em Antero, passa, naquela época, pelo menos, pelo socialismo, enquanto reino da justiça social., é entendido, acima de tudo, a partir da liberdade da pessoa e da responsabilidade moral. A autodeterminação consciente dos indivíduos e da sociedade que realizam a ideia do "mundo novo" impondo-se gradualmente ao "mundo velho"(40) espelha, todavia, um sentido mais profundo de historicidade e temporalidade que explicam aquela. A vida da história e a sua vivência exprime-se no drama que Antero irá, crescentemente, interiorizando, a par dos seus momentos de teorização e método:

"Para mim a filosofia da história encerra em si quase a filosofia toda, e entendo que o Verdadeiro e definitivo sistema que este nosso século tem de construir deve ser essencialmente histórico. Quero dizer que sendo a história a manifestação do desenvolvimento da natureza humana, esse desenvolvimento é essencialmente uma revelação e um símbolo concreto dessa natureza, onde ela, viva, activa e não abstracta, se expande e manifesta. Daqui concluo que o em si das ideias metafísicas, cosmológicas, sociais e morais deve sobretudo revelar-se na história dessas ideias mais do que na razão abstracta. A lógica da Evolução pede que assim seja. Dos resultados a que a aplicação deste método de filosofar me tem levado. Saberá V. alguma cousa a primeira vez que estivermos juntos. Aqui só lhe posso dizer isto: A humanidade é para mim uma unidade activa e infalível, e o próprio símbolo de si mesma; a filosofia tem por fim desentranhar a ideia íntima que se encerra nesse símbolo. quero dizer todos os momentos históricos, todas as ideias todas as revoluções da Humanidade, sem reprovar nem condenar absolutamente, por conseguinte, sem excluir, um só desses actos e pensamentos do ser humanitário, divino, infalível, superior."(41)

A penosa travessia existencial de Antero, de 1874 a 1882, será testemunho de um tempo problemático e de tudo o que de relativo existe na consciência que o pensamento tem de si mesmo.
A partir de 1874, acentuar-se-ia, de facto, a doença do poeta(42), situação de que parece sair, satisfatoriamente, por volta de 1882. Período de intensa leitura e de reflexão, de criação poética terá, então, importância marcante o contacto mais assíduo com a Filosofia do Inconsciente (Philosophie des Unbewussten) de Hartmann. Como disse Gustavo de Fraga "o grande interlocutor de Antero quando este tomou 'a pele' do filósofo, foi Eduardo von Hartmann"(43).
Sendo muito discutida a etiologia da doença de Antero, Joaquim de Carvalho, ao retomar considerações sobre o estudo que dedicou ao autor sobre Morte e Imanência no pensamento de Antero de Quental, interpreta que o pensador

“viu no acontecer da Morte uma relação que unifica intrinsecamente o seu acontecimento com a totalidade da Vida, sendo esta integração na imanência do ser que lhe confere a característica própria. Metafísicamente, o ser individual e o ser total coincidem, mas esta coincidência via dissociá-la por virtude de novas incitações e reflexões. Dois anos depois, a situação espiritual de Antero começa a ser outra. No horizonte metafísico surgem-lhe a transcendência como categoria explicativa da realidade e o pessimismo como estimativa da existência que se vive”.(44)

É importante atender, a este respeito, ao conteúdo de muitas das cartas dos dez anos anteriores à morte do pensador, bem como aos Sonetos Completos, publicados em 1886, por Oliveira Martins. Quer nas Cartas, quer nos Sonetos, a que chamou Memórias de uma consciência, vamos colhendo a confissão de quem se interroga sobre o seu destino, daí partindo para uma universal indagação. Em carta de 14 de Novembro de 1886, para Jaime de Magalhães Lima, transparece, com nitidez, o confronto de uma experiência de vida moral que se vê identificada com um princípio universal e um caminho de salvação:

"Toda a actividade dos homens há muitos milhares de anos, a sua actividade superior, que é só afinal a que se vê e fica, manifestada em todas as suas obras e instituições, afirma implicitamente a autonomia da vida moral e a identidade fundamental dela com o princípio oculto da actividade do universo: afirma-a porque a pressupõe: pois se não a pressupusesse, se não partisse dessa como que evidência inconsciente, para que trabalhar? Para que sacrificar-se? para que viver? O facto pois, o simples facto da história prova(com uma força probante, sui generis, mas invencível para quem se reconhece homem) a identidade da vida moral e do princípio do universo"(...)"O que nos salva é a obediência cada vez maior às sugestões daquele demónio interior, é a união cada vez maior do nosso ser natural com o seu princípio não natural é o alargamento crescente da nossa vida moral nas nossas outras vidas não morais é a fé na espiritualidade latente mas fundamental do universo, é o amor e a prática do bem, para tudo dizer numa palavra."(45)

Esta reflexão, note-se, aparece, também, como percepção de um tempo sociológico, a partir do qual Antero se questiona, como podemos ver em carta endereçada a Maria Amália Vaz de Carvalho:

"O progresso gigantesco do naturalismo, filho de uma civilização poderosa e complexa como nenhuma, só poderá ser equilibrado por um progresso equivalente de ascetismo. Sem esse equilíbrio, a sociedade moderna, que já hoje nos causa mais terror do que admiração, poderá continuar ainda por algum tempo de poderosa tornada formidável e de formidável bestial; mas o homem, o Verdadeiro homem, isto é, o homem moral, terá morrido; e morto ele, tudo cairá, porque só ele sustenta a grande mola social. A sociedade é, antes de tudo, um facto de ordem moral."(46)

Antero de Quental tentará dar, entretanto, em A Filosofia da Natureza dos Naturalistas (1886) e em Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890), obras a que nos referimos anteriormente, o travejamento às ideias que tinha vindo a expender em cartas a que até aqui nos reportámos.
O filósofo alude à "forma universal da fenomenalidade " que se exprime pelo determinismo dos seres, e pela sua evolução, exigindo a sua interpretação à luz das ideias e da sua finalidade, tendo a consciência humana como critério filosófico(47):

"Declarar que a liberdade e o sentimento moral são meras ilusões subjectivas, e que os mais íntimos e mais autónomos fenómenos da consciência resultam apenas d acções mecânicas e são a transformação dessa acções -é fácil. Agora o que não é fácil, porque é simplesmente impossível, é explicar e fazer compreender(como há poucos anos ainda Du Bois- Reymond perguntava a Haeckel) como é que o movimento, um grupo de movimentos por mais complexo que o supúnhamos, pode produzir não já os factos superiores da vida do pensamento, mas o mais elementar, a simples sensação? Diante desta simples pergunta desaba todo o edifício do monismo. A vida moral não é coisa que se decomponha em retortas, nem se descobriu jamais o equivalente mecanismo do génio e da virtude: There are more things in heaven and earth, Horatio/Then are dreamt off in your philosophy."(48)

A intenção superadora de Antero, que transparece neste texto, no sentido em que se vê a si próprio como materialista idealista marca um dos pontos mais significativos do seu "testamento filosófico" para me servir da feliz expressão de Santana Dionísio. Estamos, agora, perante um Antero em que temporalidade (na sua leitura de evolução e de progresso) supõe que se signifiquem, quer a sua consistência, quer a sua relatividade.
O desfecho da etapa pessimista será, por fim, em Antero, um resgate que atravessa a expressão das Tendências. Para Joaquim de Carvalho, reportando-se a palavras do próprio filósofo, o pessimismo não foi um ponto de chegada, mas um caminho(49). Antero teria conquistado “uma intuição monista da existência, pela qual superou o pessimismo; o Mundo já não lhe aparece como plural, nem dual, como no maniqueismo da intoxicação pessimista, mas uno na sua essência espiritual, verdadeiramente universo”(50).
Mas, não sendo a Ciência e a Metafísica rivais ou opostas implicavam duas antíteses: mecanismo-espiritualismo e determinismo-liberdade. Através da mediação leibniziana foi possível realizar a síntese da primeira e da segunda pela força-causa, “dissipação da ilusão do determinismo universal pela apreensão da “natureza íntima de todas as forças”(51). As causas dos fenómenos não lhes são meramente externas :

“A pedra que cai para o centro da terra, a molécula que se une a outra molécula, a gota de água que se vaporiza, o vapor que se condensa, não obedecem, passivamente, às condições que determinam essas formas de actividade, porque não são as condições que criam essa actividade em si mesma , nem ainda modalidade alguma, mas é a natureza autónoma dos seres que, em dadas condições, produz aquela forma de actividade que a elas corresponde, e está de acordo com as condições justamente porque está de acordo consigo mesma.”(52)

Este pan-dinamismo psíquico significa uma ascensão libertadora de um Universo espiritualizado em que o espírito humano sente palpitar nas coisas “o quer que é análogo à sua própria essência”(53). Liberdade que só se realiza no espírito humano e na consciência individual dissolvido na lei moral.
Completava-se, talvez provisoriamente, um itinerário de imanência e o primado da moral que a leitura de Leibniz permitiu e se desenvolveria em obra póstuma Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da liberdade (54): Nos fragmentos expositivos deste ensiao perpassam uma série de interrogações de que não saberemos as suas problemáticas respostas. Seria a meditação derradeira de Antero não mais do que “encenação especulativa sob o modo da aspiração”(55), como quer parecer a Eduardo Lourenço, sem prejuízo de um incontornável daimon socrático, igualmente intuído por Joel Serrão?(56) José Marinho já tinha alertado, com rara lucidez, para a dualidade entre

“a concepção intelectual e a concepção temperamental[que] em Antero suscita o problema do grau de sinceridade autêntica da visão optimista da vida para a qual tende através de crise de dúvida, e à qual finalmente chegou. Pode perguntar-se se essa concepção não será um logro profundo em Antero, projectando uma fantasia afirmativa por sob tudo quanto havia de mortal e sombrio na alma do homem”.(57)

Em todo o caso, como afirma Joaquim de Carvalho,

"a derradeira meditação anteriana não deixou de ser meditada pelo coração, embora a razão discursiva procurasse dar-lhe consistência. Completamente? Responder, seria criticar, porventura até refutar. Dir-se-á poética, pela forma como alarga a consciência e se situa na Natureza, reduzida a série de eventos desprovidos de valor intrínseco; mas as suas repulsas são ainda as nossas repulsas, os seus anelos, os nossos anelos, e qualquer que seja a incoerência das ideias e os saltos da ordem subjectiva para a objectiva, da existência para o valor, singulariza e enobrece esta concepção de liberdade e este sentido de moralidade o esforço para a criação espiritual de um Mundo mais justo, e para a emancipação deste desolador cativeiro de cegueiras, tradições e mecanismos, que nos encadeiam e expulsam do nosso ser profundo e do nosso destino humano”.(58)


Notas
1. Eduardo Lourenço, Antero e a Filosofia ou a Filosofia de Antero, in “Colóquio /Letras”, 123/124(Cento e Cinquenta anos com Antero), Janeiro-Junho, 1992, pp. 166-167.
2. Alguma tendência para ver a poesia de Antero como réplica ou ilustração de pensamento, não resiste a uma consideração mais lúcida. Como teve ocasião de sublinhar o poeta e pensador Fernando Guimarães, em recensão crítica à importante obra de Leonardo Coimbra sobre o pensamento de Antero “o sentido - neste caso o sentido de uma poesia que, segundo Antero é tomada como “irmã da metafísica” - representa uma forma de realização ou, se se preferir, de objectivação verbal, a qual é inseparável do modo como o poema enquanto tal se constitui. Esta é, afinal, a última ratio...( Idem, p. 349).
3. Joel Serrão, Duas cartas de Antero, in "Jornal de Letras", Ano XI, nº466 (11-17, Junho de 1991), p. 14.
4. Antero de Quental, Obras Completas, Cartas II (1881-1891). Organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins. Lisboa: Editorial Comunicaçäo,1989, p. 966 (Carta 617 a Oliveira Martins, Vila do Conde, 26 de Novembro de 1889. Citadas a partir de agora como Cartas).
5. Antero de Quental, Carta a Wilhelm Storck, Ponta Delgada,14.05.1887, in Cartas II, p. 839.
6. Idem, Cartas, (Carta a Francisco Machado de Faria e Maia, 28.03.1885, p.730).
7. Ver António Braz Teixeira, Raízes Krausistas do Pensamento de Antero, in Deus, o Mal e Saudade. Lisboa: Fundação Lusíada, 1993, pp. 155-163.
8. “A monadologia de Leibniz, convenientemente reformada, presta-se perfeitamente a esta interpretação do Mundo, ao mesmo tempo naturalista e espiritualista”, Cartas, II, ( Carta 524 a Wilhelm Storck,, Ponta Delgada,14 de Maio de 1887, p. 838).
9. Cfr. Fernando Catroga, A ideia de Evolução em Antero de Quental, Biblos, 56, Universidade de Coimbra, 1980, p. 357: "Sabemos que Antero, nos últimos anos da sua vida , leu profundamente as obras de Leibniz. Logicamente que essa leitura foi feita na óptica da sua formação hegeliana e, por conseguinte, a sua interpretação não foi ortodoxa, pois visava adequar o pensamento de Leibniz às suas necessidades teóricas. Deste modo, compreende-se que não aceite a doutrina leibniziana da criação( que remetia para um Deus transcendente) e que, ao interpretar Leibniz, procure antes articular a teoria da substância de Espinoza com o atomismo monadológico e o evolucionismo hegeliano”(...)” Expliquemo-nos. Enquanto em Leibniz , o substancialismo monista e mecanicista de Espinosa era pulverizado num atomismo panpsiquista, no qual cada mónade possuiria o estatuto de uma Substância autónoma, em Antero ganha igualmente uma dimensão panpsiquista, embora o seu fundamento se encontre, não numa Substância transcendente, mas num princípio imanente de que a Força era simples actualização”.
10. Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, in Prosas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, vol. III, pp. 116-117. Citadas, a partir de agora, como Prosas.
11. Cartas II, cit. p. 803.
12. Gustavo de Fraga, A síntese impossível, in “Pensar a Cultura Portuguesa. Homenagem a Francisco da Gama Caeiro”. Lisboa: Colibri, 1993, pp. 151-165: ”Todavia, na sua especulação teológico metafísica, Antero reservara o Poder a um Absoluto inconsciente, o 'Inconsciente imortal' do soneto Oceano nox que só pode responder ao apelo humano com um bramido, um queixume e nada mais...(...) A teologia do Inconsciente absoluto, que pretendia fundar uma religião exclusivamente dependente do conhecimento especulativo de Deus pela consciência, bem como do plano da salvação, numa tentativa sui generis de gnose, não só não é susceptível de dar, no desenvolvimento histórico, forma actualizada ao Cristianismo, como se mostra com ele incompatível. A última síntese não era possível, mas da sua ilusão ficaram a aspiração infinita e a beleza imortal dos últimos sonetos”.
13. Antero de Quental, Ignotus, in Sonetos, Ed. António Sérgio. Lisboa: Sá da Costa, 3ª ed., 1968, p.165.
14. Idem, Prosas, p. 64.
15. Idem, p. 140.
16. Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da liberdade, in, Antero de Quental Editorial Verbo, Lisboa-S.Paulo, 1990, (ed. Ana Maria Moog Rodrigues), p. 210.
17. Prosas, vol. III, p. 133.
18. Idem, p.140.
19. Joaquim de Carvalho, Evolução espiritual de Antero, in Obra Completa, II ( 1948-1955). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 572.
20. Idem, p. 591.
21. Prosas, vol. I, p. 289.
22. José Bruno Carreiro, Antero de Quental - Subsídios para a sua biografia. Instituto Cultural de Ponta Delgada- Livraria Editora Pax, 2ª Ed., 1981, vol. II., vol. I, p. 291.
23. Prosas, vol. I, p. 291.
24. Antero de Quental, Odes Modernas, Nota Final.
25. Cartas, II, p. 837, Carta 524 a Wilhelm Storck, (Ponta Delgada,14 de Maio de 1887).
26. P. Viallaneix, Jules Michelet , in Encyclopaedia Universalis.
27. Prosas, vol. I, pp. 257-261.
28. Guy Bourdé- Hervé Martin, As escolas históricas. Lisboa: P.E-A, 1990, p. 93.
29. Idem, ibidem.
30. Prosas, vol. I, p. 263.
31. Idem, II, p. 21.
32. Idem, p. 17.
33. Idem, p. 22.
34. Idem, p. 21.
35. Idem, p 20.
36. Idem, p.21.
37. Cartas, I, p.117 (Carta 65, a António de Azevedo Castelo Branco, Lisboa, Abril de 1871).
38. Prosas, I, p. 94.
39. “A sociedade tem uma vida intensa e regular, que resulta de um concurso de forças, umas de criação recente, outras legadas pela história, mas que se não improvisam nem suprimem de repente e que todas obram segundo leis que não podem ser iludidas nem violadas sem se produzir logo uma alteração grave naquele organismo colectivo. A sociedade não pode pois ser transformada senão no sentido dessas suas leis orgânicas e duma maneira orgânica também, isto é, segundo o processo natural por que se transformam todos os seres vivos, por uma lenta e gradual substituição de elementos, por um novo equilíbrio de forças, realizado por tentativas e não bruscamente, revulsivamente. Se o direito abstracto e revolucionário tem um lugar no meio dessas forças, tem um também a tradição, com a qual é preciso contar sob pena de crise" (Prosas, vol. II, p. 281, "Da reorganização social - Aos trabalhadores e proprietários", por João Bonança, recensão crítica publicada na Revista Occidental, t I, Lisboa,1875, pp.764-766).
40. Prosas, vol. I, p. 139.
41. Cartas, I, p. 247 (Carta 131, a Jaime Batalha Reis, Terceira, 26 de Junho de 1874).
42. Nos primeiros anos de 1874 tornou-se instável o equilíbrio psicossomático que alicerçara a alacridade espiritual da mocidade de Antero, confiante na Vida ao serviço da “Ideia” cuja mensagem redentora ele pensava que jamais se aprenderia nas memórias do passado, intrinsecamente impotentes para darem sentido ao futuro e temperarem o carácter do “homem novo”, Joaquim de Carvalho, ob. cit.. p. 615.
43. Gustavo de Fraga, Reflexão sobre Antero. Ponta Delgada: Instituto Universitário dos Açores, 1979, p. 28. Na leitura de Joaquim de Carvalho, para Hartmann, o Inconsciente “princípio psíquico de existência supra-material” isto é, uma força e uma inteligência que não tem consciência de si própria, "é a causa de todos os factos de que de que o indivíduo orgânico e consciente teatro e fazem supor uma causa psíquica e inconsciente". Com esta nebulosa e cómoda teoria , que parece antes alargar a esfera da consciência do que fundamentar uma metafísica do Inconsciente, justificava Hartmann não só a ausência da consciência em Deus, 'porque se no momento em que o mundo se produziu houvesse em Deus alguma coisa como a consciência , a existência do mundo seria uma imperdoável crueldade e o desenvolvimento do mundo uma inutilidade absurda', mas ainda a existência no homem de representações e vontades inconscientes , e, na espécie humana, de uma força que providencialmente conduz a Humanidade para um fim independente dos desígnios humano” ( Joaquim de Carvalho, ob. cit., p. 637).
44. Joaquim de Carvalho, Idem, p. 625.
45. Cartas II, p. 804 ( Carta 504 a Jaime de Magalhães Lima, Vila do Conde, 14 de Novembro de 1886).
46. Idem, p.808, Carta 507 a Maria Amélia Vaz de Carvalho (Porto, 24 de Dezembro de 1886).
47. Prosas, III, p. 44.
48. Idem, p. 47.
49. Idem, p. 645.
50. Joaquim de Carvalho, ob. cit., p. 658.
51. Idem, p. 678.
52. Idem, ibidem.
53. Idem, p.182.
54. Cfr, Introdução de Leonel Ribeiro dos Santos às Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. Lisboa: editorial Comunicação, 1989, pp. 32-33.
55. Eduardo Lourenço, ob. cit. p. 165.
56. “Socratismo” de algum modo involuntário mas adequado quer à sua anima quer ao contexto em que lhe fora dado viver e sentir e pensar e discutir e projectar - e, no momento azado, morrer”, Joel Serrão, Poesia e Filosofia (1881-1890), in “Actas do Congresso Anteriano Internacional”, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993, p.17.
57. O texto citado pertence a um importante apêndice documental organizado por Jorge Croce Rivera que acompanha o seu estudo sobre José Marinho, intérprete de Antero de Quental, in “ Actas”, cit. p. 633.
58. Joaquim de Carvalho, ob. cit. p. 695.

Sampaio Bruno e o antipositivismo em Portugal

Manuel Gama (Universidade do Minho)

1. O positivismo e os seus reflexos em Portugal

O positivismo, pela sua importância e implicações, foi ponto de referência padrão do século XIX. Perspectivando a filosofia ou outras vertentes do saber, sob que prisma fosse, sempre a doutrina positivista aparecia ao caminho, fosse para se lhe opor, fosse para a olhar mais ortodoxa ou mais heterodoxamente. O experimentado, o quantitativo, o exacto, pareciam ser a fonte e o critério quase exclusivos de conhecimento.
Na recepção e interpretação do sistema comteano, não encontramos uma ortodoxia linear na realidade do pensamento português. Nem nos denominados principais positivistas portugueses – M. Emídio Garcia (1) , Teófilo Braga, Teixeira Bastos –, se denota uma posição de seguidismo em relação à filosofia do mestre. Mesmo em relação àquele que foi Presidente da primeira experiência democrático-republicana, Amadeu Carvalho Homem (2) , um dos seus principais estudiosos, caracteriza o seu positivismo como muito sui generis, afirmando que não se pode concordar que haja «uma transposição mecânica, quase literal, dos quadros mentais comtianos para a ideação de Teófilo Braga.»
Aliás, quando chegou até nós, o positivismo já tinha uma «história ilustre» no estrangeiro, contando-se entre os seus adeptos muitos dos modernos homens mais notáveis, nas letras e nas ciências, bastante por efeito do papel de Littré. E a sua entrada em Portugal dá-se primeiramente pela via não filosófica, nas Escolas Politécnicas de Lisboa e do Porto, com a divulgação respectivamente pelo Curso de Geometria Analítica e pelo Curso de Mecânica, de Freycinet.
Em Portugal, onde predominava um ambiente de ecletismo, existia um grupo de intelectuais – lembremos o grupo das Conferências Democráticas (1871) – atentíssimo ao pulsar da Europa, onde se assistia ao murchar dessa filosofia eclética e da filosofia metafísica e ao desabrochar da filosofia positivista. Será sobretudo entre a moderna geração portuguesa, na mira de não perdermos o comboio europeu, que a escola de Comte, com as suas novas ideias e o seu novo método, ganhará os principais adeptos. E sabendo-se que o espírito positivo havia ajudado a fortalecer a República em França, isso seria também, pensava-se, via certeira para Portugal, onde a seiva da metafísica ajudava a alimentar o secular sistema monárquico. A par do anticlericalismo, o positivismo era utilizado como arma política.
Igualmente em Portugal se assistirá ao confronto entre diferentes formas de ver e interpretar o mundo, representadas genericamente no binómio metafísica-psitivismo, que vemos centrado, respectivamente, nas figuras cimeiras de Antero de Quental e de Teófilo Braga.
Embora inserido numa geração, a de 70, da segunda metade de oitocentos, que lutava pelos ideais da modernidade em Portugal, o poeta açoriano mantinha aberta a porta que ia para além do factual, ultrapassando a experiência. Como escreve ao pensador Manuel Ferreira Deusdado (1858-1918), já no declinar da sua vida, a metafísica é uma necessidade do espírito: «A metafísica e o espiritualismo só poderão ser destruídos quando ao mesmo tempo forem abolidos a razão e a consciência humanas.»(3) 
Por seu lado, Teófilo Braga, um dos maiores pugnadores da doutrina positivista em Portugal, apesar de pertencer também ao mesmo agrupamento proveniente maioritariamente da Universidade de Coimbra, não deixa de apontar a metafísica como o factor originário de nefelibatas, entre os quais inclui o próprio Antero: «A metafísica quando elabora entidades mentais, como Justiça, Consciência, Revolução, separadas de todas as noções concretas, transforma-se insensivelmente em misticismo, e o misticismo leva o iluminado à inanidade da acção; foi o que aconteceu a Antero de Quental.»(4) A responsabilidade maior encontra-a Teófilo nos principais mentores de Antero, Hegel e Proudhon, que classifica de «dois metafísicos atrasados»(5) .
O estudo sobre os principais cultores e difusores da doutrina comtena em Portugal está feito, para o qual muito ajudaram as contribuições de Álvaro Ribeiro(6) e de Fernando Catroga(7) . Razão pela qual não nos deteremos neste ponto. Não sem, contudo, realçarmos o fecundo papel desempenhado pelas revistas O Positivismo (1878-1882), A Era Nova – Revista do Movimento Contemporâneo (1880-1881) e Revista de Estudos Livres (1884-1887), nas quais colaboraram algumas das mais ilustres personalidades da cultura portuguesa do tempo, próximas do ideário positivista, como Teófilo Braga, Manuel Emídio Garcia, Júlio de Matos, Teixeira Bastos, Consiglieri Pedroso, Adolfo Coelho, Basílio Teles, Alexandre da Conceição, Cândido Pinho, etc.
A par da aceitação entre a elite portuguesa, não só do positivismo, como de outras correntes dominantes na Europa, existia, igualmente, uma atitude de oposição, algumas vezes com aproveitamento de alguns aspectos das correntes combatidas. Nesta última tendência, incluem-se precisamente Sampaio Bruno, Cunha Seixas, Domingos Tarroso, Antero de Quental, Oliveira Martins. Da posição de Bruno, daremos eco seguidamente.

2. O lastro do antipositivismo de Sampaio Bruno


Sampaio Bruno, atentíssimo à realidade do pensamento europeu e português, via que o positivismo ia ganhando terreno. Entre nós, entre outros factos, teria certamente conhecimento do que se ia passando no Curso Superior de Letras de Lisboa, após a entrada de Teófilo Braga para o seu corpo docente. Não lhe passaria despercebido o ideário positivista, que estava subjacente ao republicanismo em geral, e, como tal, também presente no movimento republicano português, no qual ele comungava e agia. A par disso, e a confirmá-lo, dá-se o aparecimento, em 1877, da obra de Teófilo Braga, Traços Gerais de Filosofia Positiva: comprovados pelas descobertas científicas modernas.
Bruno, em 1878, na revista portuense O Museu Ilustrado, em cujas páginas, refere ele, como que se estrearam os novos da época(8) , publica o seu longo ensaio «A Propósito do Positivismo (Relance)», onde já expõe as linhas mestras da sua posição perante o positivismo. Embora, já antes, no ano de 1875, apesar dos seus tenros dezoito anos, em carta dirigida ao grande cultor da doutrina positivista em Portugal, Teófilo Braga, confessasse as linhas balizadoras do seu pensamento neste domínio:

«Entendo que o positivismo é, segundo a justa expressão de Luís Büchner na Ciência e Natureza, um sinal característico da época. Não passa, porém, daí, na minha humilde opinião. A sua negação afectada da investigação das causas primeiras torna-me renitente a tal doutrina. Entendo que Darwin não poderia conceber a sua admirável teoria da selecção natural, nem Haeckel a sua aplicação profunda ao homem se fossem positivistas. […] Parece-me incompleta e muito incompleta a doutrina de Comte e quer na metafísica, quer na sociologia parecem-me profundas e justíssimas as respectivas respostas de Vacherot e Pellarin.»(9)

Na linha de Antero de Quental, também Sampaio Bruno refuta que o conhecimento seja apenas o científico. Esse será um dos erros basilares do positivismo: limitar todo o conhecimento à sensação e aos dados dos sentidos.
No mesmo horizonte, reflectia Eça de Queirós, conforme crónica publicada no Rio de Janeiro, em 1893. Para ele, mais atento aos temas da criação literária, um dos problemas do positivismo residia na forma como a imaginação era arredada, levando a que muitos tenham procurado refúgio de abrigo em várias orientações espiritualistas, desde o cristianismo, passando pelo budismo e indo até ao espiritismo. A causa de tudo isto deriva, para Eça, do «modo brutal e rigoroso com que o positivismo científico tratou a imaginação, que é uma tão inseparável e legítima companheira do homem, como a razão.»(10)

3. O sentido do “seu” Brasil Mental


Se Bruno, quer em 1875, quer sobretudo em 1878, já deixara esclarecida a sua posição sobre o positivismo(11) , porque teria necessidade de voltar ao tema, passados vinte anos após o esclarecedor estudo no Museu Ilustrado? Para quem faça a análise diacrónica do seu pensamento, pode parecer despropositado este retomar do assunto. No entanto, Sampaio Bruno, com a sua ligação ao Partido Republicano Português, de orientação positivista, tinha necessidade de mostrar que a sua luta convicta pelos ideais republicanos não implicava necessariamente uma comunhão com o positivismo, como era apanágio dos seus correligionários. Depois, o seu percurso de pensamento levara-o a determinadas ideias, que desejava expor, e que não se coadunavam com os princípios positivistas. O Brasil Mental surge como uma espécie de preparação do terreno – um aviso sobretudo aos seus leitores e admiradores –, para uma nova sementeira filosófica, que irá surgir, primeiro com A Ideia de Deus, e se completará depois com O Encoberto.
No Brasil Mental, tendo como motivo expresso o conhecimento recíproco entre Portugal e o Brasil, a intencionalidade mais profunda parece ser outra. Bruno aproveita o caso de os nossos irmãos brasileiros terem, segundo ele, uma posição demasiado absorvente do positivismo (uma espécie de «catolicismo sem Deus»), para dizer que no Brasil se encontrava um exemplo claro de seguidismo face a um sistema que ele não comungava, não aconselhava e, sobretudo, não era a expressão da concepção antropológica que ele idealizava. Como, também, repudiava a implantação de uma República positivista em Portugal. Em ambos os processos, via Bruno fortes objecções, que muito desvirtuavam o movimento evolucionista por si perscrutado. Embora, diga-se, no patamar do positivismo, a rudeza de ideias contra os intelectuais brasileiros fica bem acima da vertida para os portugueses. A pesar disso, de terras de Vera Cruz esperaria das elites, certamente, ecos favoráveis ao seu sinal. Pelo contrário. Uma das reacções desfavoráveis vem do autor d’Os Sertões, Euclides da Cunha(12) .
O Brasil Mental é uma obra onde Bruno – para além de muitos e diferentes aspectos culturais, que emergem no meio de extensas divagações, como é seu timbre – delineia o caminho para algo que irá aparecer na Ideia de Deus e n'O Encoberto. Para tal, enfrenta algo de muito estimado na época: a ligação do republicanismo ao positivismo, como referimos acima. E achando que o positivismo tinha algo de aproveitável – como, aliás, achava –, realça-o e assume-o. Como igualmente assumia os valores fundamentais do Iluminismo, saídos da Assembleia Constituinte francesa (de que viria a reflectir mais aprofundadamente em O Encoberto). Contudo, na sua crítica geral à doutrina comteana, deixa bem claro que sem a janela da metafísica não se pode entender verdadeiramente o mundo e a sua evolução(13) .
No entanto, como referimos acima, e é anotado por vários estudiosos da obra do pensador portuense, tais como Amorim de Carvalho(14) e António Telmo(15) , o positivismo vai sendo peneirado até ao ponto em que possa conviver com a metafísica.

4. As principais fontes do seu antipositivismo


Sampaio Bruno ancorou-se em fontes diversas, quer quanto ao positivismo, quer quanto ao antipositivismo. Para além do clássico Littré, naquela última vertente, Bruno teve uma verdadeira «cartilha», que foi a obra do saint-simonista e fourierista Charles Pellarin, Essai Critique sur la Philosophie Positive: Lettre a M. É. Littré (De L'Institut)(1864). Em ambos os estudos de Bruno sobre o positivismo, os elogios a esta obra e ao seu autor, cunhado de Littré, são rasgados e frequentes. No primeiro estudo, aparecem expressões como estas: «como muito bem observou Ch. Pellarin»(16) ; «na justa observação de Pellarin»(17) ; «observa com toda a razão Ch. Pellarin»(18) ; «observa com fina ironia Ch. Pellarin»(19) ; «há no livro tão justo de Ch. Pellarin»(20) . N'O Brasil Mental são repetidas algumas destas expressões, acrescentando algumas outras: «contrapõe com muito senso Ch. Pellarin»(21) ; «observa asizadamente Ch. Pellarin»(22) ; «com efeito, existe no volume, mui justo a despeito de vária visionice, de Ch. Pellarin, uma palavra profunda, e é que Augusto Comte se encarregou, ele mesmo, de refutar o seu sistema.»(23) , Mais adiante, a propósito de críticas à doutrina positivista, remata com ênfase que «por nossa banda, timbraremos em concluir a observação de Pellarin»(24) . E para que não restassem dúvidas, passados alguns anos após O Brasil Mental, Bruno volta a enfatizar o relevo que dá a Ch. Pellarin, pois o francês «não exagerou a sua crítica», referindo, neste contexto, que embora a sua obra fosse redigida em forma de carta ao «positivista» É. Littré, este «a seu turno, resultava já um positivista heterodoxo, incurso em responsabilidades de máxima excomunhão.»(25)

5. Dos limites do positivismo à necessidade da metafísica


A estrutura da filosofia comteana, segundo Bruno, tem como alicerce a conhecida lei dos três estados, que Comte toma como necessariamente consecutivos: «Integralmente concebida, a lei fundamental da evolução intelectual consiste na passagem necessária de todas as teorias humanas por três estados sucessivos. O primeiro, teológico, ou fictício, é sempre provisório; o segundo, metafísico, ou abstracto, é puramente transitório; e o terceiro, positivo ou científico, é o único definitivo»(26) .
Bruno, que pauta a orientação das suas críticas ao positivismo pela renúncia decidida daquela teoria, depois de fazer a análise a vários aspectos do positivismo, remata de forma lapidar: «as conclusões [do positivismo] são absurdas. Logo, as premissas o são também»(27) . E, claro, a premissa maior será essa lei dos três estados, que Bruno não se cansa de proclamar como falsa. O que, provado isso, implica imediatamente que o sistema comteano fique abalado.
Já no seu estudo de 1878, Bruno, depois de argumentar circunstanciadamente contra a sucessividade dos estados teológico, metafísico e positivo, e defendendo a sua simultaneidade, conclui: «eis-nos voltados forçosamente pelo decorrer da polémica à negação da lei dos três estados.»(28) Especifica mesmo que o método positivo não é mais do que o «processo seguido nas ciências exactas», conforme já o deixara anotado Charles Pellarin(29) , e que não se chegou só agora à fase positiva, dando, por isso, mais uma vez «em falso» a lei dos três estados(30) . Mais adiante, conclui Sampaio Bruno que esta lei é «falsa, falsíssima» e está «arruinada». Nalguns aspectos, houve mesmo predecessores cujo papel dentro da teoria positivista desvaloriza a importância de Comte: por um lado, a formulação da teoria dos estados já havia tinha um predecessor em Saint-Simon; por outro, em relação ao «movimento da civilização», já antes de Comte essa marcha havia sido traçada pelo «génio de Fourier»(31) .
Quanto à defesa por Comte de que os três estados se sucedem, se substituem, mas não se acumulam, mesmo nas faculdades humanas, Bruno diz mais uma vez que esse é precisamente «o princípio vital do erro de Comte» . A famosa lei dos três estados encontramo-la refutada, por várias vezes, ao longo d'O Brasil Mental, pois o pensador portuense vê-a como a síntese simbólica de toda a filosofia de Comte: «formulou sinteticamente toda a sua teoria, virtualmente contida em seu ulterior desenvolvimento, por meio duma concepção basilar, que tudo abrangeria. É a famosa lei dos três estados: - teológico, metafísico, positivo. [...] Toda a ciência, toda a sociedade, todo o indivíduo estão sujeitos - como a palavra lei o deixa, aliás, entrever - à fatalidade inabalável da tríplice fase.»
Sampaio Bruno não deixa dúvidas do seu repúdio a essa fórmula comteana. Classifica-a de corolário erróneo(34) , de insuficiência manifesta(35) , de imperfeita, inacabada, incompleta, inexacta(36) . Ao longo da sua obra dedicada ao positivismo, o nosso autor vai colocando algumas questões ou críticas a essa teoria, que tinha a pretensão de tudo abranger, expondo exemplos concretos de intelectuais que contrariam essa visão.
Em jeito de convergência dos argumentos contra a lei basilar do positivismo, remata Bruno de forma concisa, embora ainda não em desfecho: «Conclusão: a lei de Comte não é ainda a de que precisamos. Não serve, porque é de menos para medir o que é de mais.»(37) E especificando um pouco, coloca o dedo no âmago dos limites da filosofia positivista: «Para que a lei dos três estados fosse verdadeira (no sentido de: exacta, perfeita, acabada, completa) era preciso o impossível. O complexo das coisas - nele compreendido o homem - é um sistema estático de equilíbrio de infinitos factores, concorrentes, provindo cada de outros, tendo suas causas especiais, e reagindo todos uns sobre os restantes.»(38) Do que, poderia perguntar Bruno, como formar leis ou, melhor, uma lei com tantas variáveis assim?
Segundo Sampaio Bruno, o positivismo deverá ser tomado como um método - no que, já há muito, era adoptado pelas ciências naturais -, pois, como sistema é inaceitável. Ao longo dos seus estudos sobre esta doutrina, vai desfiando uma série de argumentos, que deixam clara a sua posição perante aquele sistema filosófico. São várias e diversas as questões que ele vai colocando ao longo do extenso ensaio d'O Brasil Mental:
Que dizer de um sistema que passou um traço sobre a metafísica e o absoluto, e que tem por alvo purificar a ciência e a filosofia do espírito metafísico?(39)
Como não se vê que a fórmula comteana é unilateral, não percebendo que os fenómenos sociais são interdependentes?(40)
Como não entende o positivismo que, apesar de lhe interessar apenas o como das coisas e não se importar com o porquê(41) , o «homem há-de tentar sempre devassar o mistério que o incita e o irrita»(42) , e que tal é um facto, e a metafísica tem precisamente «por objecto o responder a perguntas reais do espírito»?(43) Se assim não for entendido, como poderemos esboçar uma resposta a perguntas como: «Com efeito, a consciência, a todo o instante sério e alto da vida mental ou moral, nos sugere estas tremendas perguntas: Há Deus? Não há Deus? A alma humana é livre, imortal, responsável? O acto tem uma sanção e qual seja ela?»(44)
Interroga-se ainda Bruno se não poderemos «asseverar que nos é lícito assentar existências pelo raciocínio, desde que se achem presas a dados conhecidos e que somente elas explicam»?(45) E assim sendo, a existência de Deus não poderá «talvez ser determinada rigorosamente pelo raciocínio»?(46)
Em implícita resposta às acusações que lhe eram dirigidas pelos positivistas portugueses, afirma: «Nós não partimos da metafísica para a positividade; mas, pelo contrário, da positividade para a metafísica.»(47) Afinal, Bruno soube ver o que só os antimetafísicos não queriam entender, apesar da evidência, que a metafísica só se pode combater com outra metafísica .(48)
Alvitrando o desmoronamento do positivismo pelo derrube da sua trave-mestra, Bruno debruça-se ainda sobre outras parcelas do sistema comteano como a religião, a questão política e social e a classificação das ciências. Em semelhante horizonte da crítica bruniana ao positivismo se encontram os principais antipositivistas portugueses como Antero de Quental, Oliveira Martins, Cunha Seixas e Domingos Tarroso.


6. Conclusão


6.1. - Há muito que Bruno anunciava um percurso mental próprio. Nas Notas do Exílio (1893), informava que tinha em preparação dois livros: O Brasil artístico e Teoria da evolução portuguesa. Posteriormente, em 1898, n'O Brasil Mental, continua a ser anunciada uma obra sobre a evolução portuguesa. Finalmente, em A Ideia de Deus (1902), o projecto em mente muda o título para O sebastianismo (Estudo duma lenda), que, em 1904, será concretizado no ensaio denominado O Encoberto.
No projecto bruniano, O Brasil Mental deve ser entendido como um elemento, o primeiro, a que terão de se associar as duas obras seguintes. É no âmbito desta trilogia, que O Brasil Mental deve ser submetido à respectiva hermenêutica, tendo em especial atenção a intencionalidade do autor. Assim, se a análise crítica de Euclides da Cunha tinha sentido naquele período temporal, isto é, imediatamente após a edição do livro, em 1898, depois da publicação da referida trilogia filosófica fundamental, essa apreciação fica desfocada. Isto é, se Euclides da Cunha tomou o livro pelo alcance do seu título, a ideia do seu autor seria projectá-lo mais como uma crítica ao positivismo e, assim, como uma espécie de preparação do terreno, para a sementeira filosófica, que viria a seguir.


6.2. - Bruno centra a sua crítica a Auguste Comte em dois aspectos principais: a lei dos três estados e o repúdio comteano da metafísica. Embora tenham sido dedicadas longuíssimas páginas ao primeiro ponto – que tem relação com o segundo –, podemos dizer que no sistema especulativo do portuense era sobretudo a rejeição da metafísica que lhe causava inultrapassável engulho.
Se a fórmula ternária comteana, por ser diacrónica e exclusiva, merecia o repúdio de Bruno, igualmente lhe era inaceitável que a ciência pudesse banir a metafísica. Assim sendo, muitas das questões fundamentais da vida ficavam arredadas de qualquer estudo. E, como ele próprio defendia, banir não é resolver. A hiper-racionalização, tão do agrado da modernidade, não é suficiente para tratar de todos os aspectos, sobretudo os mais enigmáticos, da existência humana. Tem de se ir por outros caminhos, como ele escreve n'A Ideia de Deus: «Não há prova mais cabal de que a simples inteligência, por lucidíssima, é insuficiente. Se a sensibilidade real do coração não lhe assiste, o homem inteligente descai na impura e extrema idiotice.»(49)
A metafísica não deve ser morta e enterrada. Bruno indica o caminho a seguir:

«[…] o nosso grito não deve ser: Morte!, mas: Reforma; não: Proscreva-se a Metafísica, porque não é possível mutilar a alma civilizada, arrancando-lhe a necessidade, facto, imprescritível de curar dos problemas uma vez formulados; - mas sim: Reforme-se a Metafísica […]. Assim atenderemos a necessidade real, visto a metafísica ter por objecto o responder a perguntas reais do espírito.»(50)

«A metafísica é o remorso do homem, da culpa de haver nascido. E, como todo o remorso, não se vai embora, quando o interessado o deseja.
Importuna, fica; dissimula-se em mil disfarces; reaparece sob as características mais diversas e fantasmagóricas.»(51)

Portanto, a metafísica não é entendida qual logomaquia, mas como um saber, uma fonte de verdade, em constante diálogo com a ciência, em que as perguntas reais do espírito não são excluídas.

Notas
1. O próprio Sampaio Bruno nos informa que «Na verdade, o dr. Emídio Garcia foi um positivista não rigorosamente ortodoxo e ele representou em Coimbra o papel simpático de um iniciador.» - em Os Modernos Publicistas Portugueses, Livraria Chardron, Porto, 1906, p. 313.
2. Amadeu Carvalho Homem, A Ideia Republicana em Portugal. O Contributo de Teófilo Braga, Minerva, Coimbra, 1989, p. 132. Como igualmente chega mesmo a advertir que «Pelo que toca à estrutura geral do seu sistema filosófico, é deveras simplista e linear dizer-se que nos encontramos perante o principal cultor e difusor do positivismo em Portugal. As fontes de que se nutriu o seu pensamento são heterogéneas. O seu positivismo é muito sui generis.» (p. 134).
3. Carta de Antero de Quental a Manuel Ferreira Deusdado, datada de 7 de Setembro de 1888, em Antero de Quental, Cartas II – 1881-1891, Organização, introdução e notas de Ana Maria de Almeida Martins, Editorial Comunicação, Lisboa, 1989, p. 901.
4. Teófilo Braga, História das Ideias Republicanas em Portugal, Vega, Lisboa, 1983, p. 95.
5. Cf. Id., Ib., p. 91.
6. Álvaro Ribeiro, Os Positivistas. Subsídios para a História da Filosofia em Portugal, s. e., Lisboa, 1951.
7. Fernando Catroga, «Os Inícios do Positivismo em Portugal. O seu significado político-social», em Revista de História das Ideias, Coimbra, I(1977), pp. 287-394; e «A importância do Positivismo na consolidação da ideologia republicana em Portugal», em Biblos, Coimbra, LIII (1977), pp. 285-327.
8. Cf. Bruno, Os Modernos Publicistas Portugueses, op. cit., p. 305.
9. Carta de Março de 1875, dirigida a Teófilo Braga. Apud Joaquim Domingues, O essencial sobre Sampaio (Bruno), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2002, pp. 40-41.
10. Eça de Queirós, «Positivismo e Idealismo», em Notas Contemporâneas, Fixação de texto e notas de Helena Cidade Moura, Livros do Brasil, Lisboa, s. d., p. 193. Este pequeno estudo foi publicado originalmente em crónica na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 16-06-1893.
11. O artigo de 1878, pelo seu desenvolvimento e profundidade, não deixa dúvidas sobre esta matéria. No entanto, será já no ano de 1874 - ano em que a publicação da sua Análise da Crença Cristã revela bem o sincretismo dos seus tenros dezassete anos -, que Bruno deixará antever o mote pelo qual viria a pautar a sua crítica ao positivismo. Depois de ter palavras em defesa da metafísica (em resposta a L. Büchner, que a referia como questão insensata), remata Bruno: «Remover a questão não é decifrar a incógnita do problema. O problema fica, pois, sem solução. Pergunta-se: -são, sim ou não, importantíssimos os problemas da existência de Deus e da imortalidade da alma, todos os profundos debates que se agitam sobre o ser, e a possibilidade? A moderna escola positivista, que, sem erro, podemos dizer produz grandes passos para diante e grandes estacionamentos, nega ufanamente o valor da metafísica.» - «"A Metafísica" (A Alguém)», in A Tribuna, Porto, 42(1874), Apud Cruz Malpique, José Pereira de Sampaio (Bruno), obra inédita, depositada na Biblioteca Pública Municipal do Porto, no Espólio do Dr. Cruz Malpique (Caixa 119), Cap. VII.
12. Euclides da Cunha, «O Brasil Mental», em Obra Completa, Vol. I, Edição organizada sob a direcção de Afrânio Coutinho, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1995, pp. 441-456. Este estudo sobre O Brasil Mental foi originalmente publicado no Estado de São Paulo, São Paulo, 10, 11 e 12 de Julho de 1898.
13. António Paim entende poder-se «concluir que a crítica de Bruno [ao positivismo] subordina-se ao propósito de restaurar a metafísica de antigo estilo, que repousa na suposição da legitimidade da discussão dos temas que ultrapassam os limites da experiência humana» - António Paim, «Confronto entre a crítica ao positivismo em Sampaio Bruno e Tobias Barreto», em Colóquio Antero de Quental: Dedicado a Sampaio Bruno, Secretaria de Estado da Cultura, Aracaju, 1995, p. 205.
14. Cf. Amorim de Carvalho, O Positivismo Metafísico de Sampaio Bruno, Lisboa, 1960, p. 124. Pela expressão no próprio título da sua obra Positivismo Metafísico, procura Amorim de Carvalho espelhar esta sua ideia. Não discutiremos a eventual inconciliação destes termos na forma como estão associados, embora, contrariamente ao que anota Joel Serrão, que a classifica de aporia (cf. Sampaio Bruno. O Homem e o Pensamento, 2ª ed., Livros Horizonte, Lisboa, 1986, p. 165-nota 7), nos pareça que seja uma tradução feliz da atitude de Bruno perante o positivismo e seus matizes, desde que ao conceito de positivismo não se atribua uma linha de ortodoxia. Não encontrámos idêntica associação daqueles dois termos. No entanto, É. Vacherot publicou uma longuíssima obra dedicada à "metafísica positiva", em três volumes, que Bruno utilizou e possuía na sua biblioteca particular, que tinha por título La Métaphysique et la Science ou Principes de Métaphysique Positive, 3 vols., 2è. éd., s. e., Paris, 1863.
15. Cf. António Telmo, «Prefácio» a Bruno, O Brasil Mental. Esboço Crítico, Lello Editores, Porto, 1997, sobretudo p. 14.
16. Cf. António Telmo, «Prefácio» a Bruno, O Brasil Mental. Esboço Crítico, Lello Editores, Porto, 1997, sobretudo p. 14.
17. Ib., p. 74.
18. Ib., p. 122.
19. Ib., p. 218.
20. Ib., p. 265.
21. Bruno, O Brasil Mental. Esboço Crítico, Livraria Chardron, Porto, 1898, p. 121. Daqui em diante, usaremos a sigla BM, para nos referirmos a esta fonte.
22. Ib., p. 163.
23. Ib., p. 248.
24. Ib., p. 258. Já anteriormente, na página 118, na refutação que estava a fazer à lei dos três estados, refere que Ch. Pellarin já o tinha observado.
25. A Voz Pública, Porto, 4 de Setembro de 1904.
26. Auguste Comte, Système de Politique Positive, vol. III, Librairie Scientifique Industrielle, Paris, 1853, p. 28.
27. BM, p. 257.
28. «A Propósito do Positivismo», art. cit., p. 217.
29. Cf. Charles Pellarin, Essai Critique sur la Philosophie Positive, E. Dentu: Libraire-Editeur, Paris, 1864, p. 83.
30. Cf. «A Propósito do Positivismo», art. cit., p. 218.
31. Cf. Ib., p. 241.
32. BM, p. 221.
33. Ib., p. 110
34. Cf. Ib., p. 118.
35. Cf. Ib., p. 127.
36. Cf. Ib., pp. 148 e 151.
37. BM, p. 135.
38. Ib., pp. 148-149.
39. Cf. Ib., p. 109.
40. Diz Bruno que «parece claro que, dado o homem em progresso - as suas faculdades, as suas aptidões, os seus modos de ver, os seus costumes, a sua família, a sua sociedade, o seu critério, a sua religião se desenvolvem, senão por igual e par a par, em todo o caso conexa e concomitantemente, reagindo umas acções sobre as outras. É teorema, hoje aceite por todas as sociologias, desde a do americano Giddings até à do belga de Greef e ensinado nas escolas como da ciência coisa indiscutível. Chama-se-lhe o teorema da interdependência dos fenómenos sociais.» - Ib., p. 149.
41. Cf. Ib., p. 152.
42. Ib., p. 181.
43. Ib., p. 268.
44. Ib., p. 155.
45. Ib., p. 190.
46. Ib., pp. 190-191.
47. Ib., p. 160.
48. Cf. Ib., p. 240.
49. Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, Livraria Chardron, Porto, 1902, p. 49.
50. BM, p. 268.
51. Id., Ib., p. 154.


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