quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A "crise estética" no Brasil oitocentista como expressão de experência crítica

Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)

A propósito do tema deste seminário, queremos mostrar que os primeiros questionamentos filosóficos no Brasil, ocorridos no século XIX, têm a sua origem na reforma literária empreendida por Domingos José Gonçalves de Magalhães. Nossa teoria é a de que, no intuito de promover a emancipação da literatura brasileira, ele também promoveu a modernização da ideia de filosofia no Brasil, ao assimilar da filosofia francesa a moderna concepção do espírito humano como liberdade introduzida pela doutrina cartesiana.

I

Na história da filosofia no Brasil, a ideia de modernização ficou associada à exclusão do aristotelismo pela reforma pombalina da instrução pública. Do ponto de vista histórico, não há dúvida de que sem a radical exclusão dos jesuítas e da sua pedagogia instituída desde o século XVI — a Ratio Studiorum —, não teria sido possível a modernização do ensino efetuada dois séculos depois pelo Marquês de Pombal. Filosoficamente, entretanto, ainda que o conceito de modernização envolva uma mudança também radical na maneira de pensar, na medida em que o uso teórico da razão deixa de ser tutelado e se emancipa em face de toda a autoridade que não seja a da própria razão, cumpre ressaltar que no âmbito psicológico dessa mudança não há nem pode haver exclusão do passado. O que queremos dizer com isto?
As duas principais concepções cartesianas que fundam a filosofia moderna — a saber: a dúvida metódica e a suspensão do saber habitual — são procedimentos metodológicos que pressupõem a consciência de si como liberdade. Disso temos prova nos Princípios da filosofia. Mas o conceito da liberdade na doutrina cartesiana tem antecedentes. Desde Agostinho até aos filósofos do Renascimento, a expressão liberum arbitrium (“livre-arbítrio” ou “livre escolha”) foi consagrada para significar a disposição do espírito humano em face dos próprios interesses, considerando-se livre aquele agente que, postos todos os requisitos para agir, pode agir e não agir, ou agir de maneira que possa agir também ao contrário. Ora, nessa contingência do poder agir de um modo ou do modo contrário, o espírito humano conhece a si mesmo como sendo indiferente a qualquer sentimento que o ligue a algo externo, diferente de si, por força de apetência, desejo ou vontade. No contexto do Humanismo, preocupado em garantir a possibilidade do mérito humano nas ações virtuosas e morais, mas em oposição à concepção da liberdade como propriedade da vontade, o filósofo jesuíta Pedro da Fonseca (1528-1599) procurou mostrar que a raiz de tal poder de indiferença e desinteresse é o próprio uso da razão(1) . Entretanto, no caminho inverso às preocupações de Fonseca, e contrariamente à concepção do espírito humano como um poder ilimitado, desenvolveu-se no âmbito da vida civil, primeiro com Maquiavel (1469-1527), e depois com Thomas Hobbes (1588-1679), o conhecimento de si como povo e cidadão protegido pelas leis do Estado, tendo como pressuposto um eterno conflito de interesses entre os indivíduos. E foi pela consideração de que essas duas perspectivas do conhecimento de si se completam que, em nosso entendimento, a indiferença foi considerada na doutrina cartesiana o primeiro grau da liberdade humana, e, por isso mesmo, o seu grau mais baixo (Princípios da Filosofia, §41; Meditações, Meditação Quarta, §9). Rousseau (1712-1778) foi o intérprete desta concepção gradual da liberdade humana sob a forma do contrato social:

"O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar; o que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui [...] poder-se-ia acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, porquanto o impulso do mero apetite é escravidão, e a obediência à lei que se prescreveu a si mesmo é liberdade." (ROUSSEAU, O contrato social I, VIII)

"Para que o pacto social [...] não seja uma fórmula vã, ele encerra tacitamente esse compromisso de que [...] quem quer que se recuse a obedecer à vontade geral será obrigado a isso por todo o corpo; o que significa que será forçado a ser livre [ce qui ne signifie autre chose sinon qu’on le forcera d’être libre]; pois essa é a condição que, dando cada cidadão à pátria, o garante contra toda dependência pessoal; condição que produz o engenho e o funcionamento da máquina política e que é a única capaz de tornar legítimos os compromissos civis, os quais, sem ela, seriam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos." (Idem, VII)

Ora, do ponto de vista dessa concepção rousseauniana da liberdade, a indiferença é o passado no modo do ser moderno. E seria absolutamente inverossímil tal concepção do espírito humano sendo livre por obrigação, se não fosse o mal da indiferença a sua própria condição natural(2) .

II

A moderna consciência de si como liberdade, definida por Descartes como o direito de alguém impedir a si mesmo (abstinere) de consentir e agir sem o próprio uso da razão (Princípios da Filosofia, §39), aparece pela primeira vez entre nós nos textos do poeta Domingos José Gonçalves de Magalhães: no livro de poesias Suspiros poéticos e saudades (Advertência “Lede”; Paris, 1836), no Ensaio sobre a história da literatura do Brasil (In: Niterói, Revista Brasiliense, T. I, nº 1. Paris, 1836) e no livro filosófico Fatos do espírito humano (Paris, 1858). Nos dois primeiros, ele discorre sobre a necessidade de reforma da literatura nacional, ajustando o seu foco sobre a doutrina aristotélica de estilos, então decadente, pela qual se estabelecera uma arte mimética e retórica de caráter supra-individual, anônimo e coletivo:

"Até aqui [...] imitar era o meio indicado; fingida era a inspiração, e artificial o entusiasmo. Desprezavam os poetas a consideração se a Mitologia podia, ou não, influir sobre nós; contanto que dissessem que as Musas do Hélicon os inspiravam, que Febo guiava seu carro puxado pela quadriga, que a Aurora abria as portas do Oriente com seus dedos de rosas, e outras tais e quejandas imagens tão usadas." (Suspiros poéticos e saudades, “Lede”)

"Se até hoje a nossa poesia não oferece um caráter inteiramente novo e particular, é porque os nossos poetas, dominados pelos preceitos, se limitaram a imitar os antigos [...] Convém, é certo, estudar os antigos [...] mas não se escravizar pela cega imitação [...] Só pode um poeta chamar-se grande se é original." (Ensaio, IV)

Mas qual o sentido dessa originalidade? Em sua proposta de reforma, “indicando apenas no Brasil uma nova estrada aos futuros engenhos” (Suspiros poéticos e saudades, “Lede”), ele manifesta a sua intenção de “elevar a Poesia à sublime fonte donde ela emana”, ou seja, a religiosidade cristã, “aquela que civilizou o mundo moderno, aquela que ilumina a Europa, e a América” (idem, ibidem).(3) Em outras palavras, sua ideia de originalidade pressupõe a ideia do Deus-Pai-Criador como origem, tanto da liberdade do espírito humano em seu estado de independência primitiva, segundo um poder ilimitado da razão, como também, e principalmente, da liberdade criadora do mundo civilizado(4) . Este é o caráter metafísico e religioso do seu romantismo, cuja concepção da liberdade humana não se confunde com a do passado no Brasil Colônia, mas ao mesmo tempo dela não se separa. Por isso ele afirma que é necessário reconhecer que já existe “uma estrada aberta pelos nossos ilustres maiores, que podemos considerar em caracol em uma montanha” (Ensaio, IV), o que não só pressupõe uma tarefa gradual e infinita como garantia do direito de cada um de participar livremente na idéia da criação divina, como também exige a humildade e o cuidado para ninguém cair da ilusão de ter dado o retoque final, pois “quem nos preceder, desejando prosseguir, nos arredará; cairemos” (idem, ibidem):

"Caldas(5) , o primeiro dos nossos líricos, tão cheio de saber, e que pudera ter sido o reformador da nossa Poesia [...] nem sempre se apoderou desta ideia [...] e quando ele é original causa mesmo dó que cantasse o homem selvagem de preferência ao civilizado, como se aquele a este superasse, como se a civilização não fosse obra de Deus, à que era o homem chamado pela força da inteligência, com que a Providência dos demais seres o distinguira!" (Suspiros poéticos e saudades, “Lede”)

Com base na moderna concepção gradual da liberdade, Gonçalves de Magalhães afirma que a poesia brasileira subordinada aos preceitos da doutrina aristotélica dos estilos não chega a ser nem “uma indígena civilizada; é uma grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil” (Ensaio, III). (6) Mas ele não ficou só na condenação do modelo. Ele também reconheceu a dificuldade do espírito humano de ultrapassar os limites da cultura dentro da qual se formou:

"Não é por falta de inteligência que deixamos às vezes de reconhecer a verdade [...] Custa-nos muito no meio, ou no fim da vida, renovar as nossas ideias, como o mudar de linguagem, e reformar os nossos costumes. Assim, não há verdade em ciência alguma, não há fato novo, achado pelo trabalho assíduo de alguns espíritos, que não fosse, e não seja combatido por mil juízos antecipados. Outras vezes, não podendo conciliar fatos que nos parecem contrários ao que sabemos, negamos hoje o que afirmamos ontem, damos agora como causa o que antes reconhecemos ser efeito" (Fatos do espírito humano, cap. XV).

Portanto, Gonçalves de Magalhães soube distinguir com clareza que a liberdade humana, que em seu sentido moderno deve ser entendida como causa da vida civilizada, já fora entendida no passado como efeito do conhecimento de si pela conversão, ou melhor, como efeito de separar-se a alma do corpo, a exemplo dos ensinamentos do Padre Antônio Vieira:

"ainda que o homem verdadeiramente é composto de corpo e alma, quem se conhece pela parte do corpo ignora-se, e só quem se conhece pela parte da alma se conhece [...] separemos [...] ao senhor do escravo [...] vivamos como almas separadas [...] porque, livre a alma dos embaraços e dependências do corpo, obra com outras espécies, com outra luz, com outra liberdade." (VIEIRA, As cinco pedras da funda de Davi)

Em sintonia com a filosofia moderna, Gonçalves de Magalhães denunciou o caráter perverso da contemplação, quando o poder ilimitado da razão se torna alienante, e não só impede o conhecimento de si como povo e cidadão, como também esvazia de todo o mérito a ação moral:

"O corpo não nos foi dado como uma condição de saber e de querer, mas como uma sujeição que coarctasse esse poder livre, de que abusaríamos, chamando-nos à vida prática [...] Podia Deus sem dúvida criar uma sociedade de espíritos puros [...] só contemplando as maravilhas do seu criador [...] Mas qual seria o mérito desses espíritos para tanta ventura?" (Idem, ibidem)

III

Mas depois que Tobias Barreto reprovou o “espiritualismo excessivo” de Fatos do espírito humano, e Sílvio Romero atacou o romantismo “oficial” de Magalhães em seus Cantos do fim do século (1878) , a crise estética brasileira tornou-se evidente como expressão de nossa experiência crítica, porque então já não se tratava de mero nacionalismo separatista, senão de uma fundamentação de valores :

"[...] depois que a ciência do dia imparcial e segura penetrou, um pouco mais amplamente, no problema das origens [...] A poesia é um resultado da organização humana, nada tem de absoluto, nem de sobrenatural [...] No meio das mutações por que hão passado todos os ramos do pensamento humano, qual será o estado a que deve ter chegado a poesia? Qual o seu caráter de hoje? Esta pergunta não é nova, nem tem sido uma só a resposta a ela dada. Não creio que seja necessário, posto que escreva no Brasil, o apontar as quatro ou cinco idéias fundamentais, que, firmadas nas ciências positivas, transformaram a intuição crítica de nosso tempo." (Cantos do fim do século, Prólogo)

A polêmica literária entrou para a história como a tentativa de introduzir um nova orientação que rompesse com a primeira fase do romantismo, segundo a observação atenta de Machado de Assis:

"O Sr. Sílvio Romero conclui no prólogo dos Cantos do fim do século que a nova intuição literária [...] será um resultado do espírito geral da crítica contemporânea. Esta definição, que tem a desvantagem de não ser uma definição estética, traz em si mesma uma idéia compreensível, assaz vasta, e adaptável a um tempo em que o espírito recua os seus horizontes. Mas não basta à poesia ser o resultado geral da crítica do tempo [...] Dizer que a poesia há de corresponder ao tempo em que se desenvolve é somente afirmar uma verdade comum a todos os fenômenos artísticos. Ao demais, há um perigo na definição deste autor, o de cair na poesia científica e, por dedução, na poesia didática" (Cf. Machado de Assis, Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962).

De fato, a aspiração romeriana de compromisso com a “realidade verdadeira” suscitou, como temera Machado de Assis, a famigerada poesia didática, que resultou na "poesia científica" das Visões de hoje (1881), de José Isidoro Martins Júnior, como um eco tardio da Visão dos tempos (1864) de Teófilo Braga, em Portugal.
Coube a Raimundo de Farias Brito aprofundar o estudo do problema no âmbito filosófico, denunciando o perigo de uma exacerbada exigência de verdade na preocupação do artista. Para ele, devem distinguir-se as artes úteis, que derivam das necessidades materiais da vida, das artes estéticas, que derivam das necessidades mesmas do espírito. Nestas, a visão de uma coisa reveste-se de aspectos acidentais (como a rima no poema) que suscitam as sensações e emoções, sem qualquer prejuízo dos aspectos essenciais que caracterizam a visão científica da mesma coisa. Porém naquelas a visão essencial de uma coisa resulta de um processo abstrativo de dessingularização, gerando uma percepção apenas conceitual, fria e, neste sentido, uma visão pobre da realidade das coisas. Contrariamente aos desígnios da ciência, a produção estética visa um comprometimento do homem com a vida através das sensações e das emoções, e não apenas da razão. Assim se justifica a indignação de Farias Brito contra a identificação do objeto da ciência com o objeto estético:

"Vê-se assim que a arte é, por essência, a energia criadora do ideal, o que só por si é bastante para tornar manifesto o absurdo de certos sistemas estéticos, tão apregoados [...] com diversos nomes, como realismo, naturalismo, etc., todos com idéias de descrever a realidade nua e crua. É uma espécie de reprodução, à maneira de caricatura, da obra mesma da ciência. Pois não há uma escola de poesia chamada científica, como uma espécie de romance — o romance experimental?" (BRITO, Raimundo de Farias. O mundo interior, §4)

Conclusão

Nesse abismo em que se constitui a cisão entre ideais “conservadores” e “progressistas”, instaura-se a crise da consciência brasileira em face da filosofia moderna, cuja expressão estética mais radical é a poesia de Augusto dos Anjos. Além de reagir contra o cientificismo, denunciando o horror da “mecânica nefasta” que passou a reinar desde o clímax da Revolução Científica alcançado pela física de Newton, a poesia de Augusto dos Anjos tem uma significação filosófica porque nela a consciência do mal existe lado a lado com a consciência de si. No Eu de Augusto dos Anjos, o homem moderno é despojado de tudo o que constitui um homem — a sua memória, seus sentimentos, suas crenças, sua missão, sua esperança, a simpatia, o amor, a beleza, a coragem, a lealdade — exceto de sua humanidade abstrata, a qual, como a visão de si mesmo pela lente da ciência, nunca serve plenamente a um homem:

[...]
Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
Trazendo no deserto das idéias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!

Quis compreender, quebrando estéreis normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!

[...]
Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.
(Monólogo de uma Sombra)

Notas
1. "Ergo ii hac de re sentiunt, ac loquuntur, qui dicunt solam uoluntatem esse formaliter liberam, intellectum autem esse libertatis radicem, seu (ut loquuntur) esse radicaliter liberum [...] Namque in ea potentia est libertas formaliter, in qua formaliter sive complete est potestas ad agendum, et non agendum indifferens [...] Ea uero potentia est libertatis radix et origo que lucem et quasi facem uoluntati praefert" (FONSECA, Pedro da. Commentariorum in libros metaphysicorum Aristotelis, v. III, lib. IX, c. 2, q. 2, pp. 565-566).
2. Segundo Descartes, a liberdade humana de arbítrio “consiste somente em que podemos fazer uma coisa ou deixar de fazer [...] de tal maneira que não sentimos absolutamente que alguma força exterior nos obrigue a tanto [e por isso mesmo] sendo a vontade por si indiferente, ela se perde muito facilmente e escolhe o mal pelo bem ou o falso pelo verdadeiro. O que faz com que eu me engane e peque” (DESCARTES, Meditações IV, 9-10).
3. Esta foi a orientação que recebeu, antes dos estudos em Paris, de Frei Francisco do Monte Alverne (1784-1858). Ilustre orador sacro, professor de retórica e de filosofia no Seminário de São José, suas ideias básicas remetem aos escritores franceses, principalmente Chateaubriand, autor do ensaio Génie du Christianisme (1802), duas vezes citado em seu testemunho sobre a cultura brasileira no tempo da corte portuguesa no Rio de Janeiro, no qual revela que a “instrução nessa época era muito circunscrita. A Metrópole não queria homens sábios em suas colônias: era à custa de esforços inauditos que os brasileiros podiam distinguir-se. Restava um meio fácil de promover o nosso adiantamento, o estudo da língua francesa” (MONTE ALVERNE, Obras oratórias, Preliminar, p. IX).
4. Segundo a doutrina tomista, pela qual a essência da fé se define como amicitia – uma relação de amizade mútua e livre entre o Criador e a criatura racional (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Summa contra gentiles III, 112-118).
5. Antonio Pereira de Souza Caldas (Rio de Janeiro, 1762-1814) produziu extensa obra literária, sendo famosa a sua “Ode ao Homem Selvagem” (1784), elaborada sob a influência da idéia do homem natural de Rousseau. Ainda estudante de direito em Coimbra, Souza Caldas publicou poemas profanos, sendo detido e condenado pelo Santo Ofício como herege, naturalista, deísta e blasfemo, e submetido a exame de consciência e reeducação no convento oratoriano de Rilhafoles. Mais tarde, recebido pelo papa Pio VI, em Roma, aí se ordenou sacerdote. Em sua volta definitiva para o Rio de Janeiro (1808), notabilizou-se na corte como orador sacro e, segundo consta, ainda teria publicado duas cartas em defesa da liberdade de opinião.
6. O teor nacionalista do Ensaio confundiu os teóricos da literatura brasileira, levando-os a atribuir um caráter evolucionista à alegoria da montanha de Gonçalves de Magalhães: “Magalhães constrói uma alegoria evolucionista da cultura brasileira [...] na forma de uma montanha circundada por um caminho ascendente. Afirma que ele mesmo e os intelectuais do seu grupo ainda se acham na base, e que, subindo, fazem subir, com a missão civilizatória que, ao definir a literatura brasileira como ‘indígena civilizada’ integra o local à religião cristã e à civilização européia” (HANSEN, João Adolfo. “Fênix Renascida & Postilhão de Apolo: uma Introdução”. In: Pécora, Alcir (org.). Poesia seiscentista. São Paulo: Hedra, 2002).
7. Antes de Sílvio Romero, houve os ataques de José de Alencar, sob o pseudônimo de “Ig”, ao poema épico de Gonçalves de Magalhães A Confederação dos Tamoios (1856).
8. Para Antônio Cândido, por exemplo, a verdadeira crítica literária aparece no Brasil quando prevalece o “ponto de vista moderno [...] pois o que realmente interessa é investigar como se formou aqui uma literatura, concebida menos como apoteose de cambucás e morubixabas, de sertanejos e cachoeiras, do que como manifestação dos grandes problemas do homem do Ocidente nas novas condições de existência” (CANDIDO, Literatura e sociedade. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, p. 90).

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