Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)
Ao inaugurar o quarto encontro anual do Seminário Internacional Farias Brito, e na qualidade de Coordenador do Centro de Filosofia Brasileira-CEFIB do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desejo agradecer o participação do Real Gabinete Português de Leitura, cujas atividades no Rio de Janeiro, desde 1837, têm contribuído regularmente para preservar a presença portuguesa no Brasil como uma tradição de cultura. Por outro lado, desejo manifestar não só a minha satisfação pelo privilégio de dispor das dependências desta arquitetura notável, como também o meu reconhecimento pessoal à generosidade do seu presidente, Dr. António Gomes da Costa.
Antes de dirigir-me ao homenageado, mas a propósito da homenagem, gostaria de fazer algumas observações e esclarecimentos. Desde 2007, o Seminário Internacional Farias Brito é o fórum de debates do CEFIB. Nos anos ímpares, os debates se subordinam à linha de pesquisa "O Aristotelismo da Ratio Studiorum no Brasil"; nos anos pares, à linha de pesquisa "A Modernização no Brasil como Problema FIlosófico".
Temos como destaque a Conferência Farias Brito, que foi instituída para dar uma atenção especial ao tema mais geral de cada encontro. Com esta finalidade, temos convidado até agora importantes pesquisadores da universidade portuguesa. Qual a razão? Nosso propósito é vincar, do ponto de vista do sujeito de conhecimento, o conhecimento de si na história da filosofia no Brasil, tanto no âmbito do aristotelismo oficial mantido pela Ratio Studiorum ao longo de todo o período colonial, quanto no âmbito da modernização como superação desse aristotelismo. Neste sentido, isto é, do ponto de vista do conhecimento de si na história da filosofia, a ideia da filosofia brasileira não se separa da ideia da filosofia portuguesa porque a origem é a mesma.
Mas neste encontro de 2010, diferentemente dos anteriores, convidamos um autor brasileiro. Isto porque nós consideramos a sua obra um marco definitivo quanto à compreensão desta relação originária entre a história da filosofia no Brasil e a história da filosofia em Portugal.
Eis por que, de uma maneira muito especial, desejamos louvar a participação de Antônio Paim na historiografia filosófica brasileira: aqui no CEFIB procuramos levar às últimas consequências a tese defendida por Antônio Paim desde 1967, na sua História das ideias filosóficas no Brasil, de que a ideia da filosofia brasileira está visceralmente ligada à da filosofia portuguesa pela mesma tradição de origem, mas de sorte que esta ligação originária não implica prejuízo algum nem à autonomia da filosofia brasileira nem à da filosofia portuguesa.
Até à década de 1960, a ideia de filosofia brasileira era rejeitada com base no argumento de que, como resultado do nosso passado colonial, a transmissão cultural portuguesa nos teria imbuído de um espírito essencialmente prático, de maneira que a nossa vivência de ideias filosóficas dependeria de uma permanente e infindável exigência de adaptação a valores culturais do mundo civilizado. Neste sentido, chegou-se a afirmar, em 1945, o seguinte: que a inteligência crítica brasileira "cresce lentamente, sem influir poderosamente na vida social ou na vida política [mas que] apesar dos erros, das hesitações, e dos entraves de toda a ordem [...] resta-nos a esperança de que estamos fatalmente condenados à civilização" (CRUZ COSTA, A filosofia no Brasil, pp. 89-90; grifos acrescentados). Em face desta perspectiva de entendimento, e ao lado de Miguel Reale, que em 1961 publicou "A Filosofia como Autoconsciência de um Povo", Antônio Paim não só combateu a negação de validade ao passado, como também denunciou o que ele definiu como "uma tendência sectária [...] que se manifesta [...] no estudo de pensadores isolados" (ob. cit. 1ª ed., p. 15). Em outras palavras, de um ponto de vista metodológico, ele soube ressaltar, para além da universalidade das ideias, a historicidade do sujeito pensante, ao conceber a história da filosofia no Brasil em torno ao tema da pessoa humana, segundo uma compreensão do homem como liberdade, e não como um ente submetido aos mecanismo da própria natureza sócio-cultural. E essa se constitui, para nós, na sua principal contribuição teórica à historiografia filosófica brasileira: o empenho no estabelecimento de um caminho seguro de superação de preconceitos e dogmatismos contra a ideia da filosofia brasileira até então debitados injustamente na conta da colonização portuguesa.
Mas a contribuição de Antônio Paim ao estudo da ideia de filosofia brasileira não se limita ao conjunto de trabalhos referidos à sua obra-mestra, a História das ideias filosóficas no Brasil, cuja primeira edição tem 267 páginas, e hoje, revista e atualizada, se encontra em 5ª edição, com mais de 600 páginas. Além do seu magistério em importantes universidades do país, inclusive na antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, por onde começou, seu nome está inscrito para sempre em um amplo programa (iniciado por Luís Washington Vita) de inventário do nosso passado filosófico, cuja obra mais importante é a Bibliografia filosófica brasileira (1808-1977). E dentre as inúmeras obras que reeditou com importantes estudos introdutórios, destacamos As instituições de lógica, de Antonio Genovesi; Preleções filosóficas, de Silvestre Pinheiro Ferreira; com Paulo Mercadante, Estudos de filosofia, de Tobias Barreto.
Do seu interesse no passado filosófico brasileiro, nasceu o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro-CDPB, que ele fundou a partir da doação de sua rica biblioteca particular. Através do CDPB, ele elaborou o Dicionário Biobliográfico do Pensamento Brasileiro, hoje disponível pela internet (http://www.cdpb.org.br/).
Mas o que eu finalmente gostaria de destacar, nessa homenagem singela ao autor da História das ideias filosóficas no Brasil, não tem propriamente a ver com os galardões acadêmicos, que evidentemente lhe são concedidos com justiça, senão com a figura do pesquisador interessado na vida pública do seu país. Pois foi esse interesse que me levou a descobrir na pessoa de Antônio Paim uma imensa generosidade, com a qual e pela qual eu pude começar a primeira etapa da minha trajetória no estudo da origem da filosofia brasileira. Ao Professor Antônio Paim, em nome do Centro de Filosofia Brasileira do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e em meu nome pessoal, o nosso profundo agradecimento.
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