quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Interpretações de Antero de Quental

José Esteves Pereira (Universidade Nova de Lisboa)

I
Antero de Quental representa para o pensamento português de Oitocentos um dos casos raros de meditação própria em que se nos torna muito difícil destrinçar entre o meditação do filósofo que, aparentemente, se recusa a ser e o seu doloroso exercício de questionamento vital. Por isso mesmo, tem sido bastante diversificado o modo como os seus intérpretes dele se tem acercado e a avaliação que dele fazem.
Antero é um muito mais um pensador de vivências do que autor de uma definitiva elaboração metafísica e as Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX ou A Filosofia da Natureza dos Naturalistas não obstante a função especulativa que lhes cabe não nos evidenciam, por inteiro, a atribulada busca pessoal que desde cedo se plasmou, de modo genial, na poesia.
Como Eduardo Lourenço teve oportunidade de afirmar,

"onde Antero foi verdadeiramente filósofo, se por isso se entende uma experiência radical de uma única vivência, a da ausência de sentido para existência desvinculada misteriosamente da confiança vital que lhe é inerente, foi na expressão pensante que, em ritmo e visões fantásticas ou dolorosas, continua viva e actuante nos Sonetos e nos grandes poemas agónicos que um gesto de Oliveira Martins subtraiu ao esquecimento”.(1)


Em cada afirmação de problema e de filosofema o fieri incessante do destino indagador da busca da tendência encontrará sempre o filósofo inédito que se detém no momento poético dos Sonetos como horizonte de sentido.(2)
Joel Serrão, relevando um pensamento maiêutico, socrático, que teria encontrado o interlocutor adequado em Oliveira Martins(3), leva-nos a dar atenção a esse jogo irónico de discurso e experiência, muito marcado por um assumido distanciamento de preocupações sistemáticas, aliás confessionalmente exposto, quando Antero anuncia a redacção das Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, a serem publicadas na Revista de Portugal:

"Ficou reservada muita coisa que naturalmente não cabe em artigos de Revista. Escuso dizer-lhe que não é a minha filosofia aquela que V. sabe que eu tenho, com o seu método próprio e teorias particulares. Essa infelizmente, desisto de a expor, porque está acima das minhas forças o fazê-lo---e depois, ninguém me entenderia. Mas, em suma, são as minhas ideias, somente expostas por um método impessoal, pondo de parte as minhas vistas originais e processo próprio dialéctico e apresentadas simplesmente como induzidas da evolução do pensamento moderno e mais especialmente das tendências filosóficas dos últimos 80 anos. De sorte que, amigo, ainda depois de publicar um livro de filosofia, ficarei sempre um filósofo inédito.”(4)

Em suma, para corroborar a sobrevalorizada “poética expressão pensante” a que se refere Eduardo Lourenço independentemente do que Antero quisesse, sinceramente, transmitir no seu ensaio derradeiro ( publicado em vida ) sempre é importante atender à seguinte confissão de Antero:

“Os últimos 21 sonetos do meu livrinho dão um reflexo deste fase final do meu espírito e representam simbólica e sentimentalmente as minhas actuais ideias sobre o mundo e a vida humana. É bem pouco para tão vasto assunto, mas não estava na minha mão fazer mais, em melhor (...) Ele forma uma espécie de autobiografia de um pensamento e como que as memórias de uma consciência.”(5)

Tem-se considerado as Tendências como texto anteriano culminante, marcado pela serenidade especulativa que toca as raias de um santidade encontrada, depois do atribulado trânsito pessimista do poeta açoriano. Antero de Quental, naquela época resgatadora, ao fazer balanço do pensamento ocidental, reavaliaria o seu hegelianismo (que foi, também, o da sua geração) na tentativa de superar a via dedutiva de explicação do mundo físico a partir da Substância, de matriz espinosista para, agora, ao invés, no desejo de explicar toda a realidade”( explicação final do Ser), “partir dos dados elementares da sensibilidade, sobre que se baseiam, em última análise as ciências naturais, isto é, dos Átomos, no sentido de indutivamente chegar ao que não é Átomo, mas que o Átomo pressupõe: a Substância”.(6)
Permito-me incluir, aqui, um parêntesis sobre o assumido hegelianismo que António Braz Teixeira tem discutido quanto a ser ele elemento matricial da formação filosófica anteriana e do próprio contacto com a filosofia alemã. É que, se é certo que Antero não o declara explicitamente, não teria sido despiciendo o magistério de Joaquim Maria Rodrigues de Brito quando, nas aulas de Filosofia do Direito, de Coimbra, em 1858-59 prolongava um ensino de matriz krausista, ponto de chegada do idealismo alemão via Schelling. Para Braz Teixeira verificam-se nítidas afinidades entre o que pensava o mestre coimbrão e o primeiro texto de índole verdadeiramente filosófica do jovem escolar micaelense intitulado O sentimento da imortalidade, de 1865.(7)
Voltando às Tendências, Antero viria a recorrer a uma mediação monadológica leibniziana, “convenientemente reformada”(8), para incorporar a ideia de Força(9):

“(...) segundo o nosso espiritualismo, o espírito define-se como uma força autónoma, que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos seus próprios factos e só à suas próprias leis obedece, que a essas leis submete os factos objectivos e só assim lhes dá significação e realidade, que a si mesma determina o seu próprio fim, que existe em si e em si encontra a sua plenitude. Sendo a força autónoma, consciente e plena é a força por excelência, a força tipo. O espiritualismo resolve-se pois num dinamismo psíquico, assim como o materialismo da filosofia científica da natureza se resolvera num dinamismo mecânico.”(10)

Mas, a par da preocupação da explicação final do Ser, convocando o extenso e meditado exercício de leitura, jamais se poderá esquecer a essência última do Ser, expressão que utiliza em carta ao seu bom confidente e interlocutor Oliveira Martins, em carta datada de Ponta Delgada de 10 de Maio de 1887, tendo bem presente no seu espírito o conceito de Inconsciente de Eduard von Hartmann. Respondendo à crise pessimista de Oliveira Martins, embora assuma que a essência ultima do Ser é dificílima de definir não deixa de ser perceptível ao sentimento moral: “O Ser faz-nos para a beatitude”. Assim à superação do substancialismo importa atender, igualmente, em Antero, á superação pessimista. Em carta de 14 de Novembro de 1886, preocupado com a possível deriva pessimista de Jaime de Magalhães Lima encontra ocasião para aludir à ilusão do naturalismo:

“O pessimismo é a redução ao absurdo do naturalismo e das mil ilusões filhas dele, ou para melhor dizer( porque não se trata de sistemas simplesmente) filhas do espírito humano na sua fase naturalista. Mas sobre essas ruínas acumuladas pelo pessimismo, o que triunfa não é a negação, o que resta não é o vácuo. O que triunfa e o que fica é aquilo que está para além do naturalismo, aquilo que no homem não é já filho da natureza, ma superior a ela e autónomo: a vida da consciência e a sua mais alta expressão: o sentimento moral”, enquanto facto, “ um facto evidente e, para o homem, o mais positivo dos factos, porque o sente em si e o verifica a cada instante e não se dissolveu , porque é um elemento simples, o núcleo da coisa complicadíssima chamada homem, o seu ser íntimo e verdadeiro.”(11)

A busca de uma síntese a que Gustavo de Fraga viria a chamar, apropriadamente, síntese impossível da demanda imanente anteriana(12) não integra, apenas, a vida da consciência e do sentimento moral mas, também, o religioso e o problemático enfrentamento com o Absoluto. Sob a inspiração de Hartmann, Antero exortava poeticamente: ”Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade/Que eu mesmo, desde toda eternidade, também me busco a mim.... sem me encontrar”.(13)
Tendo presente a problemática superação o Antero de 1890, que se crê definitivamente inédito, a filosofia assume-se no plano do simbólico, expressão da relatividade limitada sim, mas não errada. Pois que Filosofia é "equação do pensamento e da realidade, numa dada fase do desenvolvimento daquele e num dado período do conhecimento desta; o equilíbrio momentâneo entre a reflexão e a experiência; a adaptação possível em cada momento histórico (da história da ciência e do pensamento) dos factos conhecidos às ideias directoras da razão, e a definição correlativa dessas ideias. Não por esses factos, mas em vista deles"(14) e, em definitivo, actuante num teatro de liberdade que se exprime pela experiência histórica como condição da desejável quanto irrealizável síntese. É no horizonte optimista de uma criatividade livre, e empenhada, que encontramos uma justificação e que se pressente, na consciente exterioridade da tendência, quase que do possível ponto de vista e, também, da quase certeza de que a filosofia moderna, como ele próprio, Antero, não tenha "mentido à sua missão"(15).
Chegávamos, assim, à compreensão serena da história do pensamento ocidental, contemporâneo de Antero. Augura-se um tempo do filósofo que compreende a morte como memória, como manifestação física de uma necessidade metafísica, não reportada a qualquer ontologia de progresso, mas sim a uma ascensão progressiva. A ideia de Morte torna-se a base da vida moral, pela consciência derradeira da finitude do eu pessoal que "sendo nada, não é para esse que deve viver, mas para algo de eterno"(16).
É na vivência plena do tempo do fim (consciência moral no horizonte da finitude) que se deve saber compreender a morte, que é a única maneira de sabermos compreender a vida e de a sabermos viver. Saber viver virtuoso, em que a consciência do justo é o único templo do único deus; e nesse templo a renúncia do egoísmo é o único culto(17). Liberdade para a santidade. No trânsito de Antero para Santo Antero augurando-se um "alto ideal comum"(18). Este ponto de chegada que entendi referir como introdução a um percursos interpretativo de Antero exige, em todo o caso, que nos reportemos a uma sinalização do itinerário de vivência e meditação com mais amplitude.

II
Entre as mais fundadas e documentadas análises interpretativas de Antero de Quental figura a de Joaquim de Carvalho que nos continua a parecer um instrumento incontornável, do ponto de vista metodológico, de teor genético e histórico evolutivo.
Joaquim de Carvalho, em Evolução Espiritual de Antero começa por nos dar conta do jovem que, nos seus 18 anos, demanda Coimbra para estudar Direito, onde viveria a tradicional vida académica e praxística. O sentimento do Divino e o da Liberdade (não sendo estranho neste caso a inspiração heróica de Garibaldi) acaba por se plasmar nas primeiras tentativas poéticas que acompanham reflexões em prosa, igualmente denunciadoras de algum entusiasmo romântico. É o caso das recensões, de 1860, aos Estudos sobre a Reforma em Portugal (1851) de Felix Henriques Nogueira, e d' A Felicidade pela Agricultura, de António Feliciano de Castilho(1849) ou a Saudação ao Príncipe Humberto (1862).
Surgirá, entretanto, a crise religiosa bem expressa nos Raios da Extinta Luz, no soneto Sarcasmos:

“Está deserta a estrada do Infinito, / É apenas o céu do nada espelho,/ a eternidade é fóssil. Deus é velho, / E o homem olha o céu de fito em fito//A cruz de Cristo está feita um palito/embrulham-se cominhos no Evangelho,/ Cada qual dá a Deus o seu conselho./ Nem já é Verbo o verbo... é só um dito". (19)

Contemporâneo de uma acentuada crise de valores e da mediocridade política nacional, Antero responde com as Odes Modernas onde repercutem já o conhecimento de Hegel, através da Introduction à la Philosophie de Hegel (1855) e os Essais de philosophie hegélienne (1864), de Augusto Vera(1813-1885).
A Historia como desenvolução da Ideia e a Filosofia como sistema da explicação total são as concepções que, na interpretação de Joaquim de Carvalho interessam, então, o autor das Odes Modernas: “O homem, se é certo que o conduz/Por entre as cerrações do seu destino,/Não sei que mão feita d´amor e luz/Lá para as bandas dum porvir divino...(...) Vai... mas ignora sempre quem o leva” ( À História).(20)
O clima hegeliano em que se move Antero também acolhe Proudhon. Trata-se de uma forma de invocar a inevitabilidade do progresso que não poupa, de modo irónico, e fatalmente equívoco, a Igreja como se depreende da Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal dedicada a todos os Católicos sinceros e convictos. A todos os Hereges sinceros e convictos e apresentado como testemunho de boa fé).
Neste opúsculo que, ao tempo, iludiu os próprios católicos sobre as intenções da mensagem, coloca-se o dilema de um tempo de inautenticidade e do emergir de coerência prejudicada pelas atitudes dúplices dos destinatários.
Em qualquer dos casos, o enfrentamento decisivo de transcendência e imanência subentende uma tensão profunda da sua contemporaneidade:

"Sejamos ultramontanos muito embora, mas sejamos lógicos. Nações católicas! Se a Igreja entender seguir os passos de Cristo pelos caminhos do passado, pelos desertos da meia-idade, segui-a vós também, seja aonde for- ou renegue então do vosso nome cristão leva sempre ao céu esse caminho-a vossa fé vo-lo ensina- e. então, que importam os desvios, as sombras, as tristezas da viagem? certamente que o termo será sempre a visão dourada da celeste Jerusalém. Ide! Calcai o interesse, o hábito, o amor, o que tendes por justiça, o que julgais ser a razão - mas sede católicos sede coerentes. Ou, então, se dentro das entranhas comovidas, a voz da natureza, doida de pasmo e dor, vos clamar e rugir e se estorcer a ponto que não possais dar um passo mais nesse caminho -tende coragem nessa hora! renegai o fantasma antigo e virai as costas ao velho sonho quebrando heroicamente as barreiras da fé, sede ímpios muito embora, mas sede lógicos!"(...)"ficar incerto e pávido, entre Deus e o mundo, é não pertencer nem a um nem a outro, é estar fora da vida, do universo, da existência!. Conciliar o inconciliável não é para vós -não é para alguém no mundo"(21) .

Neste texto de Antero, texto do tempo em que o poeta parece afastar-se da crença de um Deus pessoal, transparece, em todo o caso, o sentido da morte da consciência e a coragem da afirmação perante os sofismas de uma época protagonizada pelo ensimesmamento da sociedade na qual lhe cabe viver, em que "o vírus íntimo, que corrói o balofo corpo da sociedade burguesa, vem à supuração"(22).
A convicção pessoal de um caminho certo de indagação, como podemos colher em carta a Francisco Machado de Faria e Maia, datada dos fins de 1865, a propósito das Odes Modernas (entretanto vindas a público, em Agosto), e que irão dar origem à polémica do Bom Senso e do Bom Gosto, anunciam o que, em Antero, será o seu distanciamento em relação à reiteração de ideologias, concomitante de um desiderato de opinião pública robustecida, na medida em que "a opinião liberal devera ser a expressão ideal da consciência mais pura e mais franca da sociedade"(23).
Mas, voltando, ainda, à Defesa. No confronto de oposições que gravitam entre a Igreja e o Século é, porventura, mais importante reter a atitude do que atender aos próprios conteúdos da argumentação. Para além do clima de actualidade do texto (sendo a conotação a Proudhon inevitável), é notório o projecto de uma sociedade em que se tornem possíveis a conciliação da justiça social com a liberdade dos indivíduos. O primado da consciência individual deveria, assim, gerar uma Humanidade com em si mesma, capaz de se entregar às tarefas da revolução das consciências, antes de se desenvolver na arena social, como, aliás, explica na primeira edição das Odes Modernas:

"Revolução é o nome que o sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século. Como do seu Deus dizia o apóstolo antigo, in eo vivimus et sumus, podemos nós com mais razão ainda afirmar do grande espírito de revolta da nossa idade--nele e por ele é que somos, por ele e nele é que vivemos. para a reconstrução do mundo humano sobre as bases eternas da Justiça, da Razão e da Verdade, com exclusão dos Reis e dos Governos tirânicos, dos Deuses e das Religiões inúteis e ilusórias--é este o mais alto desejo, a aspiração mais santa desta sociedade tumultuosa que uma força irresistível vai arrastando, ainda contra vontade, em demanda do mistério tremendo do seu futuro".(24) 

A fé na Humanidade, convicção anteriana e bandeira de uma geração a que deve acrescentar-se a sugestão ou a influência do krausismo coimbrão, através do magistério de Joaquim Maria Rodrigues de Brito a que já nos referimos surgirá, de modo mais explícito, na crítica empática à Bíblia da Humanidade de Michelet. Aliás, é indiscutível a influência de Jules Michelet (1798-1874) em Antero como, igualmente, é a de Proudhon, nomeadamente, pela ponte que estes autores estabelecem para o pensamento alemão. A adesão ao sentido de uma apreensão total do passado que percorre o projecto e o discurso do historiador francês é contemporânea da primeira edição das Odes Modernas onde vemos reiterada a "singular aliança do naturalismo hegeliano e do humanitarismo radical francês"(25). O radicalismo de Michelet e de Proudhon. Influenciou profundamente Antero nesta fase do “homem novo”. Estaríamos perante a "Revolução como uma segunda Revelação" que," pondo fim ao reino da Graça", viria a inaugurar uma nova era de história da salvação: a da Justiça(26).
O contacto com a Bíblia da Humanidade (1864) de Michelet, recolha de elementos para uma "mitologia do amor", cimenta, por seu turno, "a compreensão da vida da história, na sua paixão e na sua melancolia, permitindo que o homem tome consciência de ser um deus que se ignora"(27).
Este anunciado encontro com o Absoluto que no tempo se revela (e que denota o hegelianismo do autor) permite-nos entender, melhor, a intensidade da adesão de Antero a Michelet, que, no Prefácio à História de França, de 1869, apresentará a história enquanto consciencialização progressiva (não um unívoco progresso) superadora, quer da fatalidade deterministica ("Podem as instituições estudar-se suficientemente sem ter em conta a história das ideias, das mil circunstâncias de que surgem?"),(28) quer da radicação providencialista, anunciando, pelo contrário, o novo homem prometaico.
A concepção de Michelet é um sinal do que nele foi a busca de um sentido e compreensão da existência plasmada em história, a escrever com paixão, atento à acção das forças diversas que, num poderoso movimento, se tornariam a própria vida: "Assim, ou tudo ou nada. Para encontrar a vida histórica, seria preciso segui-la, pacientemente, em todas as suas vias, todas as suas formas, todos os seus elementos. Mas, também seria preciso, com uma paixão ainda maior, refazer e restabelecer o jogo de tudo isto, a acção recíproca destas forças diversas num poderoso movimento que se tornaria a própria vida"(29).
Ora, em Antero podemos, na leitura interessada feita a Michelet, compreender quanto lhe interessa à manifestação do espírito no tempo, a vida no teatro da história:

"Se a alma cria deuses e, respirando, espalha o infinito em volta de si é porque lá dentro alguma cousa infinita se concentra e o divino se esconde para se manifestar, dia a dia, na revelação constante chamada Vida"(30).

A transfinitude desta revelação apela para uma espontaneidade que importa tentar entender. Como passar das ideias para a vida é, justamente, a questão que Antero coloca, em texto de 1866, inspirado pelo princípio de Vico de que o" homem é o seu mesmo criador"(31). Assumida a razão como exame universal da natureza, do espírito e da história e desentronizado o sobrenatural, o mundo e as suas leis, o homem e as energias da sua natureza, bastam a explicar os fenómenos do mundo e os factos do homem"(32). Contudo, já constituirá trabalho do humano Prometeu desentranhar as multímodas manifestações do espírito, antes mesmo do discurso reflectido - O espírito menos a reflexão, como dirá(33). Perante o racionalismo necessário que exprima "a longa combinação reflectida que é a história(34) emerge, no entanto, recorrente a incontornável pergunta: O que há de voluntário na obra humana? e o que há, também, de fatal, de inconsciente?(35).
No balanço que Antero de Quental faz ao racionalismo da Ilustração (de Voltaire, de Montesquieu de Rousseau) insinua-se, na avaliação, a essencial e transfinita espontaneidade que a torna possível:

"É este o ponto verdadeiramente fraco daquela filosofia. Grande, poderosa na análise faltou-lhe completamente o melindroso sentimento do concreto, isto é, a ponte delicada por onde se passa das ideias para a vida. As suas conclusões tem alguma coisa da inflexibilidade do dogma: são absolutas. As diferenças de tempo e de raça, os períodos sucessivos da consciência humana, os movimentos ocultos do espírito, até por ele mesmo ignorados, as distâncias, em fim, que há entre as leis e os factos, todas estas coisas a incomodavam na sua rigidez ideal, e preferiu negá-las a explicá-las Mas tudo isto é a mesma atmosfera da vida, as condições do movimento humano, a alma, em fim no tempo e no espaço. Sem isto a embriogenia do espírito tinha sido impossível, porque sem sucessão não há movimento, e só gradualmente se cresce. A Humanidade teria parado desde o seu primeiro dia. Não teria havido história."(36)

Imersa no tempo e na história decorrerá a crescente afirmação do homem interior que vai acompanhado a evolução moral das sociedades, a começar pela que, muito concretamente, rodeia Antero e que encontrou no pensador o representante por excelência de uma geração. Sem dúvida que Antero nos surge na arena política com um entusiasmo denodado mas é certo, também, o que no poeta se perfila como resistência a uma transparência assumida do tempo em que vive. Perpassa nas suas atitudes, mesmo as mais interventivas, o desenvolvimento finalista que teoricamente nele se reforçou, mais tarde, com a leitura de Eduardo von Hartmann. Em carta de 1871, na época em que Antero se entrega a uma reflexão sobre um acontecimento históricos relevante, é sintomático esse teor finalista:

"A Comuna de Paris foi sublime, como um elemento, uma força natural. Eu cá por mim admiro-a e mal me atrevo a discuti-la. A crítica que se aprende na escola do senso comum, deve ser posta de parte em face destas coisas gigantescas e tenebrosas por onde a história se revela de séculos a séculos pelo seu lado mais sublime, mas também mais obscuro - a fatalidade."(37)

Antero, ao ponderar o evento, não deixará de sublinhar as potências ocultas e irresistíveis do nosso ser, por essa via se manifestando a universal espontaneidade do devir que solicita a liberdade como vivência e projecto.
Perante o juízo impiedoso do céptico ou do dogmático, a transparência problemática da historicidade surge-nos, na sua incontornável presencialidade, obrigando--nos a recorrer, menos um tribunal de razão histórico, que à abertura convivial sobre o seu sentido. Justifica-se assim que na apresentação da sua célebre conferência do Casino Lisbonense sobre as Causas da decadência dos povos peninsulares: precise de advertir:

"Não posso pois apelar para a fraternidade das ideias; conheço que as minhas palavras não devem ser bem aceites por todos. As ideias, porém, não são felizmente o único laço com que se ligam entre si os espíritos dos homens. Independente delas, senão acima delas existe para todas as consciências rectas, sinceras, leais, no meio da maior divergência de opiniões, uma fraternidade moral, fundada na mútua tolerância e no mútuo respeito, que une todos os espíritos numa mesma comunhão- o amor e a procura desinteressada da Verdade."(38)

O apelo a uma comunhão de espírito, antes de qualquer reflexão, o sentimento antes da razão, é para Antero, além do que será a nível pessoal a chave da sua mensagem, a condição necessária para o estabelecimento de um terreno de compreensão de uma sociedade como a portuguesa(e ibérica) bloqueada ou decadente, no imediato, mas não ausente do movimento europeu em que se integrava e de que importa fazer um diagnóstico e uma prospectiva possíveis(39). A esquematização das causas da decadência (de ordem moral, política ou económica) assumem-se como problemas e não como princípios. São mais pontos de partida de reflexão, do que a categorização manifesta de um processo. Exposição não é imposição. O apelo à lealdade e à tolerância no debate das ideias, para quem sempre terá estado mais ligado ao esforço de uma reforma interior do que ao combate das opiniões, a qualquer preço, não poderia deixar de estar conotado, ao mesmo tempo, não só com a libertação da tradição mas, sobretudo, com a expiação de um tempo colectivo em que aquela age. O paradigma moral de um dever ser da Humanidade que, em Antero, passa, naquela época, pelo menos, pelo socialismo, enquanto reino da justiça social., é entendido, acima de tudo, a partir da liberdade da pessoa e da responsabilidade moral. A autodeterminação consciente dos indivíduos e da sociedade que realizam a ideia do "mundo novo" impondo-se gradualmente ao "mundo velho"(40) espelha, todavia, um sentido mais profundo de historicidade e temporalidade que explicam aquela. A vida da história e a sua vivência exprime-se no drama que Antero irá, crescentemente, interiorizando, a par dos seus momentos de teorização e método:

"Para mim a filosofia da história encerra em si quase a filosofia toda, e entendo que o Verdadeiro e definitivo sistema que este nosso século tem de construir deve ser essencialmente histórico. Quero dizer que sendo a história a manifestação do desenvolvimento da natureza humana, esse desenvolvimento é essencialmente uma revelação e um símbolo concreto dessa natureza, onde ela, viva, activa e não abstracta, se expande e manifesta. Daqui concluo que o em si das ideias metafísicas, cosmológicas, sociais e morais deve sobretudo revelar-se na história dessas ideias mais do que na razão abstracta. A lógica da Evolução pede que assim seja. Dos resultados a que a aplicação deste método de filosofar me tem levado. Saberá V. alguma cousa a primeira vez que estivermos juntos. Aqui só lhe posso dizer isto: A humanidade é para mim uma unidade activa e infalível, e o próprio símbolo de si mesma; a filosofia tem por fim desentranhar a ideia íntima que se encerra nesse símbolo. quero dizer todos os momentos históricos, todas as ideias todas as revoluções da Humanidade, sem reprovar nem condenar absolutamente, por conseguinte, sem excluir, um só desses actos e pensamentos do ser humanitário, divino, infalível, superior."(41)

A penosa travessia existencial de Antero, de 1874 a 1882, será testemunho de um tempo problemático e de tudo o que de relativo existe na consciência que o pensamento tem de si mesmo.
A partir de 1874, acentuar-se-ia, de facto, a doença do poeta(42), situação de que parece sair, satisfatoriamente, por volta de 1882. Período de intensa leitura e de reflexão, de criação poética terá, então, importância marcante o contacto mais assíduo com a Filosofia do Inconsciente (Philosophie des Unbewussten) de Hartmann. Como disse Gustavo de Fraga "o grande interlocutor de Antero quando este tomou 'a pele' do filósofo, foi Eduardo von Hartmann"(43).
Sendo muito discutida a etiologia da doença de Antero, Joaquim de Carvalho, ao retomar considerações sobre o estudo que dedicou ao autor sobre Morte e Imanência no pensamento de Antero de Quental, interpreta que o pensador

“viu no acontecer da Morte uma relação que unifica intrinsecamente o seu acontecimento com a totalidade da Vida, sendo esta integração na imanência do ser que lhe confere a característica própria. Metafísicamente, o ser individual e o ser total coincidem, mas esta coincidência via dissociá-la por virtude de novas incitações e reflexões. Dois anos depois, a situação espiritual de Antero começa a ser outra. No horizonte metafísico surgem-lhe a transcendência como categoria explicativa da realidade e o pessimismo como estimativa da existência que se vive”.(44)

É importante atender, a este respeito, ao conteúdo de muitas das cartas dos dez anos anteriores à morte do pensador, bem como aos Sonetos Completos, publicados em 1886, por Oliveira Martins. Quer nas Cartas, quer nos Sonetos, a que chamou Memórias de uma consciência, vamos colhendo a confissão de quem se interroga sobre o seu destino, daí partindo para uma universal indagação. Em carta de 14 de Novembro de 1886, para Jaime de Magalhães Lima, transparece, com nitidez, o confronto de uma experiência de vida moral que se vê identificada com um princípio universal e um caminho de salvação:

"Toda a actividade dos homens há muitos milhares de anos, a sua actividade superior, que é só afinal a que se vê e fica, manifestada em todas as suas obras e instituições, afirma implicitamente a autonomia da vida moral e a identidade fundamental dela com o princípio oculto da actividade do universo: afirma-a porque a pressupõe: pois se não a pressupusesse, se não partisse dessa como que evidência inconsciente, para que trabalhar? Para que sacrificar-se? para que viver? O facto pois, o simples facto da história prova(com uma força probante, sui generis, mas invencível para quem se reconhece homem) a identidade da vida moral e do princípio do universo"(...)"O que nos salva é a obediência cada vez maior às sugestões daquele demónio interior, é a união cada vez maior do nosso ser natural com o seu princípio não natural é o alargamento crescente da nossa vida moral nas nossas outras vidas não morais é a fé na espiritualidade latente mas fundamental do universo, é o amor e a prática do bem, para tudo dizer numa palavra."(45)

Esta reflexão, note-se, aparece, também, como percepção de um tempo sociológico, a partir do qual Antero se questiona, como podemos ver em carta endereçada a Maria Amália Vaz de Carvalho:

"O progresso gigantesco do naturalismo, filho de uma civilização poderosa e complexa como nenhuma, só poderá ser equilibrado por um progresso equivalente de ascetismo. Sem esse equilíbrio, a sociedade moderna, que já hoje nos causa mais terror do que admiração, poderá continuar ainda por algum tempo de poderosa tornada formidável e de formidável bestial; mas o homem, o Verdadeiro homem, isto é, o homem moral, terá morrido; e morto ele, tudo cairá, porque só ele sustenta a grande mola social. A sociedade é, antes de tudo, um facto de ordem moral."(46)

Antero de Quental tentará dar, entretanto, em A Filosofia da Natureza dos Naturalistas (1886) e em Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890), obras a que nos referimos anteriormente, o travejamento às ideias que tinha vindo a expender em cartas a que até aqui nos reportámos.
O filósofo alude à "forma universal da fenomenalidade " que se exprime pelo determinismo dos seres, e pela sua evolução, exigindo a sua interpretação à luz das ideias e da sua finalidade, tendo a consciência humana como critério filosófico(47):

"Declarar que a liberdade e o sentimento moral são meras ilusões subjectivas, e que os mais íntimos e mais autónomos fenómenos da consciência resultam apenas d acções mecânicas e são a transformação dessa acções -é fácil. Agora o que não é fácil, porque é simplesmente impossível, é explicar e fazer compreender(como há poucos anos ainda Du Bois- Reymond perguntava a Haeckel) como é que o movimento, um grupo de movimentos por mais complexo que o supúnhamos, pode produzir não já os factos superiores da vida do pensamento, mas o mais elementar, a simples sensação? Diante desta simples pergunta desaba todo o edifício do monismo. A vida moral não é coisa que se decomponha em retortas, nem se descobriu jamais o equivalente mecanismo do génio e da virtude: There are more things in heaven and earth, Horatio/Then are dreamt off in your philosophy."(48)

A intenção superadora de Antero, que transparece neste texto, no sentido em que se vê a si próprio como materialista idealista marca um dos pontos mais significativos do seu "testamento filosófico" para me servir da feliz expressão de Santana Dionísio. Estamos, agora, perante um Antero em que temporalidade (na sua leitura de evolução e de progresso) supõe que se signifiquem, quer a sua consistência, quer a sua relatividade.
O desfecho da etapa pessimista será, por fim, em Antero, um resgate que atravessa a expressão das Tendências. Para Joaquim de Carvalho, reportando-se a palavras do próprio filósofo, o pessimismo não foi um ponto de chegada, mas um caminho(49). Antero teria conquistado “uma intuição monista da existência, pela qual superou o pessimismo; o Mundo já não lhe aparece como plural, nem dual, como no maniqueismo da intoxicação pessimista, mas uno na sua essência espiritual, verdadeiramente universo”(50).
Mas, não sendo a Ciência e a Metafísica rivais ou opostas implicavam duas antíteses: mecanismo-espiritualismo e determinismo-liberdade. Através da mediação leibniziana foi possível realizar a síntese da primeira e da segunda pela força-causa, “dissipação da ilusão do determinismo universal pela apreensão da “natureza íntima de todas as forças”(51). As causas dos fenómenos não lhes são meramente externas :

“A pedra que cai para o centro da terra, a molécula que se une a outra molécula, a gota de água que se vaporiza, o vapor que se condensa, não obedecem, passivamente, às condições que determinam essas formas de actividade, porque não são as condições que criam essa actividade em si mesma , nem ainda modalidade alguma, mas é a natureza autónoma dos seres que, em dadas condições, produz aquela forma de actividade que a elas corresponde, e está de acordo com as condições justamente porque está de acordo consigo mesma.”(52)

Este pan-dinamismo psíquico significa uma ascensão libertadora de um Universo espiritualizado em que o espírito humano sente palpitar nas coisas “o quer que é análogo à sua própria essência”(53). Liberdade que só se realiza no espírito humano e na consciência individual dissolvido na lei moral.
Completava-se, talvez provisoriamente, um itinerário de imanência e o primado da moral que a leitura de Leibniz permitiu e se desenvolveria em obra póstuma Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da liberdade (54): Nos fragmentos expositivos deste ensiao perpassam uma série de interrogações de que não saberemos as suas problemáticas respostas. Seria a meditação derradeira de Antero não mais do que “encenação especulativa sob o modo da aspiração”(55), como quer parecer a Eduardo Lourenço, sem prejuízo de um incontornável daimon socrático, igualmente intuído por Joel Serrão?(56) José Marinho já tinha alertado, com rara lucidez, para a dualidade entre

“a concepção intelectual e a concepção temperamental[que] em Antero suscita o problema do grau de sinceridade autêntica da visão optimista da vida para a qual tende através de crise de dúvida, e à qual finalmente chegou. Pode perguntar-se se essa concepção não será um logro profundo em Antero, projectando uma fantasia afirmativa por sob tudo quanto havia de mortal e sombrio na alma do homem”.(57)

Em todo o caso, como afirma Joaquim de Carvalho,

"a derradeira meditação anteriana não deixou de ser meditada pelo coração, embora a razão discursiva procurasse dar-lhe consistência. Completamente? Responder, seria criticar, porventura até refutar. Dir-se-á poética, pela forma como alarga a consciência e se situa na Natureza, reduzida a série de eventos desprovidos de valor intrínseco; mas as suas repulsas são ainda as nossas repulsas, os seus anelos, os nossos anelos, e qualquer que seja a incoerência das ideias e os saltos da ordem subjectiva para a objectiva, da existência para o valor, singulariza e enobrece esta concepção de liberdade e este sentido de moralidade o esforço para a criação espiritual de um Mundo mais justo, e para a emancipação deste desolador cativeiro de cegueiras, tradições e mecanismos, que nos encadeiam e expulsam do nosso ser profundo e do nosso destino humano”.(58)


Notas
1. Eduardo Lourenço, Antero e a Filosofia ou a Filosofia de Antero, in “Colóquio /Letras”, 123/124(Cento e Cinquenta anos com Antero), Janeiro-Junho, 1992, pp. 166-167.
2. Alguma tendência para ver a poesia de Antero como réplica ou ilustração de pensamento, não resiste a uma consideração mais lúcida. Como teve ocasião de sublinhar o poeta e pensador Fernando Guimarães, em recensão crítica à importante obra de Leonardo Coimbra sobre o pensamento de Antero “o sentido - neste caso o sentido de uma poesia que, segundo Antero é tomada como “irmã da metafísica” - representa uma forma de realização ou, se se preferir, de objectivação verbal, a qual é inseparável do modo como o poema enquanto tal se constitui. Esta é, afinal, a última ratio...( Idem, p. 349).
3. Joel Serrão, Duas cartas de Antero, in "Jornal de Letras", Ano XI, nº466 (11-17, Junho de 1991), p. 14.
4. Antero de Quental, Obras Completas, Cartas II (1881-1891). Organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins. Lisboa: Editorial Comunicaçäo,1989, p. 966 (Carta 617 a Oliveira Martins, Vila do Conde, 26 de Novembro de 1889. Citadas a partir de agora como Cartas).
5. Antero de Quental, Carta a Wilhelm Storck, Ponta Delgada,14.05.1887, in Cartas II, p. 839.
6. Idem, Cartas, (Carta a Francisco Machado de Faria e Maia, 28.03.1885, p.730).
7. Ver António Braz Teixeira, Raízes Krausistas do Pensamento de Antero, in Deus, o Mal e Saudade. Lisboa: Fundação Lusíada, 1993, pp. 155-163.
8. “A monadologia de Leibniz, convenientemente reformada, presta-se perfeitamente a esta interpretação do Mundo, ao mesmo tempo naturalista e espiritualista”, Cartas, II, ( Carta 524 a Wilhelm Storck,, Ponta Delgada,14 de Maio de 1887, p. 838).
9. Cfr. Fernando Catroga, A ideia de Evolução em Antero de Quental, Biblos, 56, Universidade de Coimbra, 1980, p. 357: "Sabemos que Antero, nos últimos anos da sua vida , leu profundamente as obras de Leibniz. Logicamente que essa leitura foi feita na óptica da sua formação hegeliana e, por conseguinte, a sua interpretação não foi ortodoxa, pois visava adequar o pensamento de Leibniz às suas necessidades teóricas. Deste modo, compreende-se que não aceite a doutrina leibniziana da criação( que remetia para um Deus transcendente) e que, ao interpretar Leibniz, procure antes articular a teoria da substância de Espinoza com o atomismo monadológico e o evolucionismo hegeliano”(...)” Expliquemo-nos. Enquanto em Leibniz , o substancialismo monista e mecanicista de Espinosa era pulverizado num atomismo panpsiquista, no qual cada mónade possuiria o estatuto de uma Substância autónoma, em Antero ganha igualmente uma dimensão panpsiquista, embora o seu fundamento se encontre, não numa Substância transcendente, mas num princípio imanente de que a Força era simples actualização”.
10. Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, in Prosas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, vol. III, pp. 116-117. Citadas, a partir de agora, como Prosas.
11. Cartas II, cit. p. 803.
12. Gustavo de Fraga, A síntese impossível, in “Pensar a Cultura Portuguesa. Homenagem a Francisco da Gama Caeiro”. Lisboa: Colibri, 1993, pp. 151-165: ”Todavia, na sua especulação teológico metafísica, Antero reservara o Poder a um Absoluto inconsciente, o 'Inconsciente imortal' do soneto Oceano nox que só pode responder ao apelo humano com um bramido, um queixume e nada mais...(...) A teologia do Inconsciente absoluto, que pretendia fundar uma religião exclusivamente dependente do conhecimento especulativo de Deus pela consciência, bem como do plano da salvação, numa tentativa sui generis de gnose, não só não é susceptível de dar, no desenvolvimento histórico, forma actualizada ao Cristianismo, como se mostra com ele incompatível. A última síntese não era possível, mas da sua ilusão ficaram a aspiração infinita e a beleza imortal dos últimos sonetos”.
13. Antero de Quental, Ignotus, in Sonetos, Ed. António Sérgio. Lisboa: Sá da Costa, 3ª ed., 1968, p.165.
14. Idem, Prosas, p. 64.
15. Idem, p. 140.
16. Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da liberdade, in, Antero de Quental Editorial Verbo, Lisboa-S.Paulo, 1990, (ed. Ana Maria Moog Rodrigues), p. 210.
17. Prosas, vol. III, p. 133.
18. Idem, p.140.
19. Joaquim de Carvalho, Evolução espiritual de Antero, in Obra Completa, II ( 1948-1955). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 572.
20. Idem, p. 591.
21. Prosas, vol. I, p. 289.
22. José Bruno Carreiro, Antero de Quental - Subsídios para a sua biografia. Instituto Cultural de Ponta Delgada- Livraria Editora Pax, 2ª Ed., 1981, vol. II., vol. I, p. 291.
23. Prosas, vol. I, p. 291.
24. Antero de Quental, Odes Modernas, Nota Final.
25. Cartas, II, p. 837, Carta 524 a Wilhelm Storck, (Ponta Delgada,14 de Maio de 1887).
26. P. Viallaneix, Jules Michelet , in Encyclopaedia Universalis.
27. Prosas, vol. I, pp. 257-261.
28. Guy Bourdé- Hervé Martin, As escolas históricas. Lisboa: P.E-A, 1990, p. 93.
29. Idem, ibidem.
30. Prosas, vol. I, p. 263.
31. Idem, II, p. 21.
32. Idem, p. 17.
33. Idem, p. 22.
34. Idem, p. 21.
35. Idem, p 20.
36. Idem, p.21.
37. Cartas, I, p.117 (Carta 65, a António de Azevedo Castelo Branco, Lisboa, Abril de 1871).
38. Prosas, I, p. 94.
39. “A sociedade tem uma vida intensa e regular, que resulta de um concurso de forças, umas de criação recente, outras legadas pela história, mas que se não improvisam nem suprimem de repente e que todas obram segundo leis que não podem ser iludidas nem violadas sem se produzir logo uma alteração grave naquele organismo colectivo. A sociedade não pode pois ser transformada senão no sentido dessas suas leis orgânicas e duma maneira orgânica também, isto é, segundo o processo natural por que se transformam todos os seres vivos, por uma lenta e gradual substituição de elementos, por um novo equilíbrio de forças, realizado por tentativas e não bruscamente, revulsivamente. Se o direito abstracto e revolucionário tem um lugar no meio dessas forças, tem um também a tradição, com a qual é preciso contar sob pena de crise" (Prosas, vol. II, p. 281, "Da reorganização social - Aos trabalhadores e proprietários", por João Bonança, recensão crítica publicada na Revista Occidental, t I, Lisboa,1875, pp.764-766).
40. Prosas, vol. I, p. 139.
41. Cartas, I, p. 247 (Carta 131, a Jaime Batalha Reis, Terceira, 26 de Junho de 1874).
42. Nos primeiros anos de 1874 tornou-se instável o equilíbrio psicossomático que alicerçara a alacridade espiritual da mocidade de Antero, confiante na Vida ao serviço da “Ideia” cuja mensagem redentora ele pensava que jamais se aprenderia nas memórias do passado, intrinsecamente impotentes para darem sentido ao futuro e temperarem o carácter do “homem novo”, Joaquim de Carvalho, ob. cit.. p. 615.
43. Gustavo de Fraga, Reflexão sobre Antero. Ponta Delgada: Instituto Universitário dos Açores, 1979, p. 28. Na leitura de Joaquim de Carvalho, para Hartmann, o Inconsciente “princípio psíquico de existência supra-material” isto é, uma força e uma inteligência que não tem consciência de si própria, "é a causa de todos os factos de que de que o indivíduo orgânico e consciente teatro e fazem supor uma causa psíquica e inconsciente". Com esta nebulosa e cómoda teoria , que parece antes alargar a esfera da consciência do que fundamentar uma metafísica do Inconsciente, justificava Hartmann não só a ausência da consciência em Deus, 'porque se no momento em que o mundo se produziu houvesse em Deus alguma coisa como a consciência , a existência do mundo seria uma imperdoável crueldade e o desenvolvimento do mundo uma inutilidade absurda', mas ainda a existência no homem de representações e vontades inconscientes , e, na espécie humana, de uma força que providencialmente conduz a Humanidade para um fim independente dos desígnios humano” ( Joaquim de Carvalho, ob. cit., p. 637).
44. Joaquim de Carvalho, Idem, p. 625.
45. Cartas II, p. 804 ( Carta 504 a Jaime de Magalhães Lima, Vila do Conde, 14 de Novembro de 1886).
46. Idem, p.808, Carta 507 a Maria Amélia Vaz de Carvalho (Porto, 24 de Dezembro de 1886).
47. Prosas, III, p. 44.
48. Idem, p. 47.
49. Idem, p. 645.
50. Joaquim de Carvalho, ob. cit., p. 658.
51. Idem, p. 678.
52. Idem, ibidem.
53. Idem, p.182.
54. Cfr, Introdução de Leonel Ribeiro dos Santos às Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. Lisboa: editorial Comunicação, 1989, pp. 32-33.
55. Eduardo Lourenço, ob. cit. p. 165.
56. “Socratismo” de algum modo involuntário mas adequado quer à sua anima quer ao contexto em que lhe fora dado viver e sentir e pensar e discutir e projectar - e, no momento azado, morrer”, Joel Serrão, Poesia e Filosofia (1881-1890), in “Actas do Congresso Anteriano Internacional”, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993, p.17.
57. O texto citado pertence a um importante apêndice documental organizado por Jorge Croce Rivera que acompanha o seu estudo sobre José Marinho, intérprete de Antero de Quental, in “ Actas”, cit. p. 633.
58. Joaquim de Carvalho, ob. cit. p. 695.

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